“A própria essência da democracia envolve uma nota fundamental, que lhe é intrínseca — a mudança. Os regimes democráticos se nutrem na verdade de termos em mudança constante. São flexíveis, inquietos, devido a isso mesmo, deve corresponder ao homem desses regimes, maior flexibilidade de consciência. A falta desta permeabilidade parece vir sendo dos mais sérios descompassos dos regimes democráticos atuais, pela ausência, dela decorrente, de correspondência entre o sentido da mudança, característico não só da democracia, mas da civilização tecnológica e uma certa rigidez mental do homem que, massificando-se, deixa de assumir postura conscientemente crítica diante da vida. Excluído da órbita das decisões, cada vez mais adstritas a pequenas minorias, é comandado pelos meios de publicidade, a tal ponto que, em nada confia ou acredita, se não ouviu no rádio, na televisão ou se não leu nos jornais. Daí a sua identificação com formas míticas de explicação do seu mundo. Seu comportamento é o do homem que perde dolorosamente o seu endereço. É o homem desenraizado.
” FREIRE, Paulo. Educação como prática para a liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 90-91.
A primeira edição do livro em que consta esse trecho é de 1967.A ideia de ser humano desenraizado se caracteriza, no trecho citado, como a de uma pessoa que confia, antes de tudo, em meios de comunicação que seriam, conforme a argumentação, determinados pela publicidade que os financia. A partir disso, é possível afirmar:
- A Não houve mudanças significativas na forma como as pessoas constroem suas convicções, derivadas que são, do mesmo modo, dos meios de comunicação mantidos pela publicidade. Exatamente como antes, o poder econômico pauta a linha editorial dos sempre poucos e restritos meios de comunicação, capazes de influenciar um enorme número de pessoas. O ser humano continua desenraizado, sendo urgente a tarefa da educação de lutar contra isso.
- B Houve uma mudança significativa na maneira como, em uma civilização cada vez mais tecnológica, as pessoas constroem suas convicções, não dependendo apenas dos meios de comunicação tradicionais. Ainda que o poder econômico se mantenha influente, existem, hoje, novas formas de enraizamento, por meio de comunidades virtuais formadas com o uso de novas tecnologias, o que, sem dúvida, é um avanço inequívoco da vida democrática, o que deve ser favorecido pela educação.
- C Nos tempos de hoje, ao contrário da época em que a obra foi escrita, experimentamos um incremento nunca antes visto de novas formas de comunicação e de transmissão de notícias, ainda que o poder econômico continue a ser influente nelas. Ao lado de seus claros aspectos positivos, que favorecem o contato entre as pessoas, tal recente configuração provocou uma intensa crise no processo de validação da informação, sendo tarefa urgente da educação ajudar a compreender e esclarecer o tema.
- D Nos tempos de hoje, como naquele em que a obra foi escrita, experimentamos um incremento gradual de novas formas de comunicação e de transmissão de notícias. Nelas, permanece visível a influência do poder econômico, pois, ao lado de seu aspecto positivo como meio de informação, a atual configuração provocou um fortalecimento das estruturas midiáticas tradicionais, favorecendo, ainda mais, o desenraizamento das pessoas. É tarefa da educação, portanto, questionar tal situação.
- E Nos tempos de hoje, como naquele em que a obra foi escrita, experimentamos um incremento gradual de novas formas de comunicação e de transmissão de notícias, permanecendo visível, nelas, a influência do poder econômico. Ao lado de seus aspectos positivos, que favorecem a transmissão de informações, a atual configuração provocou uma intensa crise no poder da mídia tradicional, questionando seus procedimentos e favorecendo uma abertura para aquilo que o texto chama de "própria essência da democracia". É tarefa da educação subsidiar e ampliar essa discussão.