“Na gira, cantavam: Balorê Exú, Exú é Mojubá / Ogunhé Patacuri / Ogum é Orixá! / Kao Cabicile Xangô / Kao meu pai! / Okê Arô / Oxossi é Caçador! / Ewê / Arroboboia Oxumaré Roboboia! / Eparrei / Ora ieie o mãe Oxum / Ora ieie o / Ô docyaba Yemanja / Ôdoia mamãe...”.
(Pontos de domínio público. Compilação constante do álbum “Tecnomacumba”, 2006, de Rita Benneditto).
A Iyalorixá Mãe Menininha, sacerdotisa de um terreiro de Candomblé localizado há 50 anos no bairro Pinheirinho, em Curitiba, tem como novo vizinho o senhor João, o qual realizou denúncias contra sua pessoa à polícia alegando: (a) maus tratos a animais durante as práticas religiosas; (b) sonegação de imposto (IPTU); (c) e perturbação de sossego. A Iyalorixá recebe a intimação da delegacia de polícia para esclarecimentos, mas antes de comparecer no dia e hora marcados, ela procura orientação jurídica junto ao Núcleo de Promoção da Igualdade Racial da Defensoria Pública.
Tomando por base a situação hipotética acima e considerando a existência e as práticas dos povos e comunidades de terreiro, bem como o que dispõe a Constituição da República e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, assinale a alternativa que apresenta as corretas orientações a serem prestadas pelo defensor público.
- A Comunidades de terreiro não possuem autorização para prática religiosa com animais em razão de vedação constitucional aos maus tratos de animais e, ainda, em razão da ausência do pagamento de IPTU, os cultos do terreiro de Candomblé da situação acima devem ser interrompidos. Além disso, há prevalência da intimidade ser resguardada, no caso da perturbação do sossego, motivo pelo qual o lugar da prática religiosa deve ser alterado.
- B Povos e comunidades de terreiro têm sido historicamente vítimas de intolerância, de discriminação e de preconceito. Assim, a Iyalorixá deverá ser orientada a buscar subvenção dos cultos e relação de aliança junto ao Município em razão do patrimônio histórico e cultural como estratégia para evitar o agravamento da situação antes de comparecer à delegacia. Por fim, quanto à perturbação de sossego, pela interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana e da intimidade, o vizinho pode interromper a prática religiosa quando essa ocorrer.
- C Há proteção constitucional ao local da comunidade de terreiro do caso acima onde ocorre a prática de Candomblé como manifestação afro-brasileira, incluindo a isenção tributária em questão, estando assegurada a sacralização de animais durante suas práticas religiosas, uma vez que a legislação não proíbe matar animais. Quanto à alegação de perturbação de sossego, deverá ser aplicada a ponderação e a regra da proporcionalidade.
- D As comunidades de terreiro são protegidas pela legislação constitucional e supralegal apenas sob o viés da religiosidade, não ensejando a aplicação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho quanto ao seu modo de ser e viver. Assim, os direitos no caso em comento são preponderantemente de ordem individual e devem ser analisados pelo princípio da proporcionalidade.
- E Há nítido racismo religioso na postura do vizinho da Iyalorixá, porém há restrição para o abate de animais em comunidades de terreiro por situação análoga à vedação das brigas de galo, farra do boi e vaquejada já decididos pelo Supremo Tribunal Federal. Por fim, quanto à alegação de perturbação de sossego, deverá ser aplicada a ponderação interpretativa e a regra da proporcionalidade.