O acesso à justiça, para além da proteção no plano interno (no qual possui status de direito fundamental expresso no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal – CF/1988), encontra proteção no plano internacional, estando materializado no art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Trata-se de um direito imprescindível para a concretização dos demais direitos fundamentais, uma vez que é o meio de se exigir que eles sejam efetivamente respeitados, assegurados e garantidos.
O título V do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) trata do acesso à justiça. O título possui três capítulos que trazem disposições gerais, a atuação do Ministério Público e a proteção judicial dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos.
Os arts. 70 e 71 revelam que o Poder Público tem a faculdade de criar varas especializadas e exclusivas destinadas ao idoso e que “é assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância” (art. 71).
O fato de terem prioridade revela justiça social, além de dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana e da isonomia, pois coloca a pessoa idosa em posição de igualdade com as demais pessoas que se encontram em melhores condições de vida (persecução da igualdade material).
Outro princípio constitucional justificador dessa garantia diz respeito à razoável duração do processo previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal CF/1988, com reforço do Novo Código de Processo Civil (NCPC), que dispõe, em seu art. 4º, que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”, e no art. 6º que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Levando-se em consideração que a celeridade processual é um direito que assiste a todo cidadão, com muito mais razão deve ter acesso a esse direito o idoso, que, potencialmente, possui menor tempo, biologicamente, para gozar de seus direitos.
Para que a pessoa alcance o benefício mencionado, deverá ela fazer prova de sua idade, requerendo à autoridade judiciária competente a sua observância. Ressalte-se que a circunstância deverá estar anotada em local visível nos autos do processo.
Além disso, a prioridade não cessará com o falecimento do interessado, mas estenderá em favor do cônjuge sobrevivente ou companheiro(a) maior de 60 anos.
Ademais, o § 4º do art. 71 do Estatuto do Idoso prevê que deve ser garantido ao idoso o fácil acesso a assentos e caixas, identificados com a destinação a pessoas idosas em local visível e com caracteres legíveis.
Nesse contexto é importante destacar que, dentre os processos de idosos, será dada prioridade especial àqueles que tenham mais de 80 anos. Trata-se de recente alteração legislativa que se justifica pela morosidade habitual da justiça.
A proteção judicial dos interesses metaindividuais (difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos) relacionados ao idoso está tratada nas disposições que se encontram entre os arts. 78 e 92.
O art. 79 declara que são regidos pelo Estatuto do Idoso as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à pessoa idosa, referentes à omissão ou ao oferecimento insatisfatório de:
I – acesso às ações e serviços de saúde;
II – atendimento especializado ao idoso portador de deficiência ou com limitação incapacitante;
III – atendimento especializado ao idoso portador de doença infecto-contagiosa;
IV – serviço de assistência social visando ao amparo do idoso.
O dispositivo deixa claro, em seu parágrafo único, que as hipóteses elencadas não excluem a proteção de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos protegidos em lei, sendo, portanto, um rol meramente exemplificativo.
O art. 80, por seu turno, traz regra de competência, determinando que as ações previstas serão propostas no foro do domicílio do idoso, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas as competências da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.
Além disso, segundo o art. 81, o Ministério Público, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, a Ordem dos Advogados do Brasil e as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre os fins institucionais a defesa dos interesses e direitos da pessoa idosa, dispensada a autorização da assembleia, se houver prévia autorização estatutária são legitimados (concorrentemente) para as ações cíveis fundadas em interesses difusos, coletivos, individuais indisponíveis ou homogêneos.
No mais, observe o que revela o importante art. 82.
Art. 82. Para defesa dos interesses e direitos protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ação pertinentes.
Parágrafo único. Contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições de Poder Público, que lesem direito líquido e certo previsto nesta Lei, caberá ação mandamental, que se regerá pelas normas da lei do mandado de segurança. (Grifos nossos.)
Nesse aspecto, as ações podem ser de conhecimento, executivas ou cautelares, em cada categoria de processo e em conformidade com o provimento jurisdicional que se pretende.
Conforme dita o parágrafo único, é possível, ainda, que o interessado se socorra do mandado de segurança em caso de atos abusivos e ilegais praticados por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público e que lesem direito líquido e certo.
Os arts. 83 e seguintes tratam de questões processuais.
Art. 83. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento.
§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, na forma do art. 273 do Código de Processo Civil.
§ 2º O juiz poderá, na hipótese do § 1º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente do pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado.
Art. 84. Os valores das multas previstas nesta Lei reverterão ao Fundo do Idoso, onde houver, ou na falta deste, ao Fundo Municipal de Assistência Social, ficando vinculados ao atendimento ao idoso.
Parágrafo único. As multas não recolhidas até 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado da decisão serão exigidas por meio de execução promovida pelo Ministério Público, nos mesmos autos, facultada igual iniciativa aos demais legitimados em caso de inércia daquele.
Art. 85. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.
Art. 86. Transitada em julgado a sentença que impuser condenação ao Poder Público, o juiz determinará a remessa de peças à autoridade competente, para apuração da responsabilidade civil e administrativa do agente a que se atribua a ação ou omissão.
Art. 87. Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença condenatória favorável ao idoso sem que o autor lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada, igual iniciativa aos demais legitimados, como assistentes ou assumindo o polo ativo, em caso de inércia desse órgão.
Art. 88. Nas ações de que trata este Capítulo, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas.
Parágrafo único. Não se imporá sucumbência ao Ministério Público.
Art. 89. Qualquer pessoa poderá, e o servidor deverá, provocar a iniciativa do Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os fatos que constituam objeto de ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.
Art. 90. Os agentes públicos em geral, os juízes e tribunais, no exercício de suas funções, quando tiverem conhecimento de fatos que possam configurar crime de ação pública contra idoso ou ensejar a propositura de ação para sua defesa, devem encaminhar as peças pertinentes ao Ministério Público, para as providências cabíveis.
Art. 91. Para instruir a petição inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, que serão fornecidas no prazo de 10 (dez) dias.
Art. 92. O Ministério Público poderá instaurar sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer pessoa, organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias.
§ 1º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil ou de peças informativas, determinará o seu arquivamento, fazendo-o fundamentadamente.
§ 2º Os autos do inquérito civil ou as peças de informação arquivados serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público ou à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público.
§ 3º Até que seja homologado ou rejeitado o arquivamento, pelo Conselho Superior do Ministério Público ou por Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público, as associações legitimadas poderão apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados ou anexados às peças de informação.
§ 4º Deixando o Conselho Superior ou a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público de homologar a promoção de arquivamento, será designado outro membro do Ministério Público para o ajuizamento da ação.
Vejamos a seguir alguns entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) envolvendo a questão abordada neste tópico.
O art. 88 do Estatuto do Idoso prevê o direito de pagamento das custas processuais ao final do processo. Contudo, tal dispositivo se aplica apenas às ações referentes a interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos. O primeiro julgado apresenta esse entendimento.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. DESERÇÃO. PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA FORMULADO NO BOJO DA PETIÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. ART. 88 DA LEI N. 10.741/03. ESTATUTO DO IDOSO. APLICABILIDADE EM AÇÕES ESPECÍFICAS.
(...)
III – Aplicabilidade do art. 88 da Lei nº 10.741/03 tão somente às ações referentes a interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos. (...) (STJ, AgRg no AREsp. nº 625.324/SP, rel. Min. REGINA HELENA COSTA, data de julgamento 02.06.2015 – grifos nossos).
O julgado seguinte revela o entendimento de que é proibida a cobrança de valores diferenciados com base em critério etário, pelos operadores de plano de saúde, quando caracterizar discriminação ao idoso, ou seja, quando a prática impedir ou dificultar o seu acesso ao direito de contratar por motivo de idade.
RECURSO INOMINADO. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE EM DECORRÊNCIA DA MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. VIOLAÇÃO AO ESTATUTO DO IDOSO. NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO DOS VALORES COBRADOS A MAIOR. PRESCRIÇÃO DECENAL. APLICAÇÃO DO ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. O Estatuto do Idoso, por se tratar de norma de ordem pública, é aplicável inclusive aos contratos de planos de saúde entabulados antes de sua entrada em vigor. 2. Por força do disposto no art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, impõe-se o reconhecimento da nulidade das cláusulas de plano de saúde que permitem o reajuste das mensalidades com base na faixa etária do associado, porquanto contrariam manifestamente a norma inserta no artigo 15, § 3º do Estatuto do Idoso. Recurso da autora provido. Recurso do réu desprovido. Legal veda tal variação para consumidores com idade superior a 60 anos (TJPR – 2ª Turma Recursal – 0005448-30.2015.8.16.0026/0 – Campo Largo – rel. Marcelo de Resende Castanho – j. 13.11.2015) (TJ-PR, relator: Marcelo de Resende Castanho, Data de Julgamento: 13.11.2015, 2ª Turma Recursal).
Assim, conforme o entendimento jurisprudencial, é proibida a cobrança de valores diferenciados com base em critério etário, contudo, a previsão de reajuste de mensalidade de plano de saúde em decorrência da mudança de faixa etária de segurado idoso não configura, por si só, cláusula abusiva, devendo sua compatibilidade com a boa-fé objetiva e a equidade ser aferida em cada caso concreto (STJ, REsp. nº 866.840).