O abolicionismo penal surge como crítica às teorias que legitimam o poder punitivo do Estado. Os teóricos que defendem o abolicionismo penal não reconhecem a intervenção estatal como legítima, pois não consideram o comportamento desviante uma justificativa plausível para a excessiva penalização dos indivíduos. O abolicionismo preconiza que o mal causado pelo sistema penal é muito mais grave do que o fato criminoso. Defende a abolição do direito penal.
Segundo Estefam (2020, p. 83), existem várias matrizes abolicionistas, mas um elemento comum reside na superação de uma abordagem punitiva, em que se busca extirpar o criminoso do convívio social por meio da pena privativa de liberdade. Esse enfoque deve ser substituído por processos de descriminalização (isto é, transformação de comportamentos criminosos em não criminosos) e despenalização (ou seja, substituição da pena de prisão por sanções alternativas), os quais devem se dar no âmbito legal e judicial. O abolicionismo também prescreve a adoção de modelos conciliatórios, terapêuticos, indenizatórios e pedagógicos, em que a sociedade se engaja na solução de conflitos, em vez de enfrentá-los por meio do modelo punitivo tradicional.
a) Abolicionismo de Louk Hulsman
Hulsman partiu de sua experiência na prisão para questionar o modelo desenvolvido pelo Estado. Influenciado pela concepção anárquica, sustentava a primazia das leis naturais sobre as leis sociais, defendendo a irrestrita abolição do sistema penal por considerá-lo muito mais danoso do que benéfico. O idealizador deste abolicionismo acreditava que os conflitos advindos da prática do crime devem ser solucionados pela própria sociedade.
Araujo (2019, p. 130) analisa que Hulsman defendia a existência de duas formas de manifestação do abolicionismo criminal: a primeira é o abolicionismo institucional, que não reconhece legitimidade à justiça criminal, seja enquanto instituição em si, seja como meio idôneo ao cumprimento de sua finalidade, que é a solução dos conflitos oriundos das situações-problema. A segunda forma é o abolicionismo acadêmico. Aqui o abolicionismo deveria conduzir a uma mudança de linguagem, substituindo-se as expressões “crime” e “ criminalidade” por expressões como “situação-problema”.
b) Abolicionismo de Thomas Mathiesen
Mathiesen defendia sua tese de que o Estado constitui uma forma de manipulação da classe dominante em detrimento do grupo menos abastado economicamente, que deve ser contido com a opressão da violência institucionalizada. O direito penal então desempenha um papel fundamental na materialização da opressão. Para o autor, a prisão seria uma instituição segregacionista para destinatários certos: membros das classes menos favorecidas economicamente.
Araujo (2019, p. 131) analisa que dentre as inúmeras críticas que o autor lança contra o sistema penitenciário, sobressaem os argumentos relacionados à falácia institucional da ressocialização, porquanto a ideia de evitar a reincidência não ocorre na prática. A eficácia da prisão para evitar a reincidência é bastante diminuta, sobretudo se comparada às formas de socialização primária (escola, família, comunidade), que devem ser mais presentes de forma mais efetiva e contundente.
Araujo (2019, p. 132) destaca que um dos pontos de maior importância na obra de Mathiesen reside na acentuada ênfase conferida ao papel da vítima que, de acordo com a orientação abolicionista, teria sido esquecida no processo criminal. O autor destaca que ao invés de se ocupar tanto na persecução criminal, deve o Estado ocupar-se em atender os anseios da vítima. Assim, é preciso haver um esforço no sentido de criar mecanismos de compensação à vítima que pode ser de natureza econômica, seguro simplificado, apoio simbólico nas situações de luto ou pesar, criação de abrigos para protegê-las, centro de apoio às mulheres espancadas e direta solução de conflitos.
c) Abolicionismo de Nils Christie
Christie aborda a questão da indústria do controle da criminalidade, representado pela exasperação da privatização da intervenção penal, relacionados ao proveito econômico de grupos empresariais ligados à execução da pena (privatização de presídios, utilização de mão de obra aprisionada, construção de presídios, fornecimento de equipamentos, administração de presídios).
Araujo (2019, p. 134) analisa que Christie acreditava que o Estado se apropriou indevidamente de um conflito que não lhe pertence ao instituir o processo penal. Dessa forma, a vítima é duplamente perdedora: perde uma vez quando da prática do delito, perante o delinquente, e, posteriormente, perde perante o Estado, quando é despojado do seu conflito, sendo-lhe tolhida a sua participação.