A ação anulatória de débito fiscal é ação promovida pelo contribuinte em face do Poder Público, tendo por objeto a anulação de um lançamento fiscal, de modo a, uma vez declarado algum vício de tal ato da administração tributária, promover a desconstituição do crédito tributário. Ora, se é através do lançamento que se constitui o crédito tributário, uma vez reconhecida a nulidade do lançamento, consequentemente estar-se-á desconstituindo-se o crédito tributário.
A ação anulatória de débito fiscal não deixa de ser, num primeiro momento, uma ação declaratória, pois visa a declaração judicial de que determinado ato jurídico (lançamento) é anulável, isto é, que goza de algum vício que o torna inválido; no entanto, mais do que declarar sua invalidação, a referida ação visa desconstituir a consequência de tal ato ilegal, qual seja o crédito tributário, de modo que essa ação se apresenta como verdadeira ação de natureza constitutiva (constitutiva-negativa ou desconstitutiva). Por intermédio dela, declara-se a existência de algum vício no ato jurídico(invalidação do lançamento) e, consequentemente, a desconstituição do crédito tributário.
Através da ação anulatória de lançamento tributário o que se busca é a anulação do procedimento administrativo do lançamento ou mesmo a anulação de um ato específico praticado no procedimento de lançamento. Assim, tal ação tem caráter declaratório acerca da existência de algum vício no lançamento, porém, com efeito desconstitutivo, pois visa desconstituir o crédito tributário que emergiu a partir do lançamento declarado inválido.
Distinção entre a ação anulatória de débito fiscal e a ação declaratória
A ação anulatória de débito fiscal não se confunde com a ação meramente declaratória, pois já se disse que a ação anulatória tem um “plus” em relação à declaratória, uma vez que aquela visa mais que declarar a nulidade de um lançamento, visa também desconstituir o crédito tributário.
Na ação declaratória pode até veicular-se a declaração da inexistência de débito tributário, mas ela não se confunde com a ação que visa declarar a invalidade de lançamento para depois desconstituir o crédito tributário.
Assim, a ação declaratória pode ter o fim de “declarar a inexistência de obrigação tributária; declarar a não incidência de determinado tributo; declarar a imunidade tributária [do contribuinte]; declarar isenção fiscal; declarar ocorrência da prescrição” (STJ – 2ª T – AgRg no AgRg no REsp 1025893-RJ 2008/0019314-6. Rel. Min. Humberto Martins, j. em 17.02.09, DJe 24.03.09),entre outros objetos, porém, quando se pretende desconstituir o crédito tributário, diante de invalidação de lançamento, a ação própria para tal é a ação anulatória, porque visa-se anular um ato da administração para então, em decorrência, desconstituir-se o crédito tributário que nasceu desse ato inválido.
Propositura da ação na pendência de execução fiscal
A Lei de Execução Fiscal prevê no art. 38 que a discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.
De forma que é possível a propositura de ação anulatória do ato declarativo da dívida, em que pese estar em curso ação de execução fiscal objetivando a cobrança de tal crédito impugnado.
Ou seja, o que o art. 38 da Lei nº 6.830/80 quis dizer é que a propositura da ação de execução fiscal não inibe que o contribuinte promova ação autônoma para declarar a nulidade do lançamento e desconstituir o crédito tributário emergente daquele lançamento inválido.
Aliás, o contribuinte pode optar por uma das duas vias: pode opor embargos è execução fiscal, a fim de declarar a nulidade do lançamento e desconstituir o crédito tributário exequendo; pode propor ação autônoma, correspondente à ação anulatória de crédito tributário (ou ação anulatória de débito fiscal).
Diante da propositura da ação anulatória, surge a questão: poderia o contribuinte obter liminar no âmbito dessa ação a fim de inibir o seguimento da execução fiscal em curso? A resposta será negativa ou positiva, dependendo de se o contribuinte procedeu ao depósito na ação anulatória do valor devido, acrescido dos consectários legais. Por quê? Segundo dispõe o art. 151, inc. II, do CTN,o depósito do montante integral suspende a exigibilidade do crédito tributário. Ora, se a exigibilidade do crédito tributário ficará suspensa com o depósito do montante integral do tributo, é evidente que não se admite o seguimento da execução fiscal (ação em que se exige o tributo), estando a dívida garantida em outra ação (na ação anulatória do débito fiscal).
Ou seja, se o autor da ação anulatória não procedeu ao depósito em juízo da dívida integral do tributo, a ação proposta não tem o condão de suspender a ação de execução fiscal em curso. Assim, tem-se a aplicação do disposto no§ 1º do art. 784 do CPC/15, nos seguintes termos: “A propositura de qualquer ação relativa a débito constante de título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução”.
Porém, feito o depósito, por força do art. 151, inc. II, do CTN, a ação de execução fiscal deverá ser suspensa, até que se discuta a validade do crédito constituído pelo Poder Público.
Nesse sentido, o extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR) já sumulara o entendimento de que a propositura da ação anulatória não depende do depósito do valor do débito fiscal. Segundo a Súmula nº 247 do TFR “Não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito de que cuida o art. 38 da Lei nº 6.830, de 1980”.
Ao final da ação anulatória, caso esta reste procedente, tendo o autor efetuado o depósito prévio, que suspendeu a execução fiscal, poderá levantá-lo; caso contrário, após o trânsito em julgado da decisão de improcedência, tal numerário será revertido ao Poder Público.
Não obstante, há conexão entre a ação anulatória e a ação de execução fiscal, de modo que as ações deverão ser reunidas num único juízo para julgamento, a fim de evitarem-se decisões contraditórias.O seguinte julgado em conflito de competência perante a Primeira Seção do STJ, cuja ementa transcrevemos, é ilustrativo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO ANULATÓRIA E EXECUÇÃO FISCAL. CONEXÃO. REUNIÃO DOS PROCESSOS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ONDE PROPOSTA A ANTERIOR EXECUÇÃO FISCAL. 1. A jurisprudência da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, constatada conexão entre a ação de execução fiscal e ação anulatória de débito fiscal, impõe-se a reunião de processos para julgamento simultâneo, a fim de evitar decisões conflitantes, exsurgindo competente o Juízo onde proposta a anterior ação executiva. 2. A ação anulatória do título executivo encerra forma de oposição do devedor contra a execução, razão pela qual induz a reunião dos processos pelo instituto da conexão, sob pena de afronta à segurança jurídica e economia processual. 3. A competência federal delegada (art. 15, I, da Lei nº 5.010/66) para processar a execução fiscal estende-se para julgar a oposição do executado, seja por meio de embargos, seja por ação declaratória de inexistência da obrigação ou desconstitutiva do título. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito. (STJ – 1ª S – CC 98.090-SP. Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 22.04.09, DJe 04.05.09).
No entanto, já se entendeu que não haverá reunião das ações se implicar alteração de competência. Nesse sentido, tem-se o conflito de competência, igualmente julgado pela Primeira Seção do STJ, conforme a seguinte ementa:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL.AÇÃO ANULATÓRIA AJUIZADA ANTERIORMENTE. CONEXÃO. NORMA DEORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. EXISTÊNCIA DE VARA ESPECIALIZADA PARA JULGAREXECUÇÕES FISCAIS. REUNIÃO DOS PROCESSOS. IMPOSSIBILIDADE. SUSPENSÃODA EXECUÇÃO. GARANTIA DO JUÍZO. NECESSIDADE.1. Esta Seção, ao julgar o CC 106.041/SP (Rel. Min. Castro Meira,DJe de 09.11.2009), enfrentou situação semelhante à dos presentes autos, ocasião em que decidiu pela impossibilidade de serem reunidas execução fiscal e ação anulatória de débito precedentemente ajuizada, quando o juízo em que tramita esta última não é Vara Especializada em execução fiscal, nos termos consignados nas normas de organização judiciária. No referido julgamento, ficou consignado que, em tese, é possível a conexão entre a ação anulatória e a execução fiscal, em virtude da relação de prejudicialidade existente entre tais demandas, recomendando-se o simultaneus processus. Entretanto, nem sempre o reconhecimento da conexão resultará na reunião dos feitos. A modificação da competência pela conexão apenas será possível nos casos em que a competência for relativa e desde que observados os requisitos dos §§ 1º e 2º do art. 292 do CPC. A existência de vara especializada em razão da matéria contempla hipótese de competência absoluta, sendo, portanto, improrrogável,nos termos do art. 91 c/c 102 do CPC. Dessarte, seja porque a conexão não possibilita a modificação da competência absoluta, seja porque é vedada a cumulação em juízo incompetente para apreciar uma das demandas, não é possível a reunião dos feitos no caso em análise, devendo ambas as ações tramitarem separadamente. Embora não seja permitida a reunião dos processos, havendo prejudicialidade entre a execução fiscal e a ação anulatória, cumpre ao juízo em que tramita o processo executivo decidir pela suspensão da execução,caso verifique que o débito está devidamente garantido, nos termos do art. 9º da Lei 6.830/80.2. Pelas mesmas razões de decidir, o presente conflito deve ser conhecido e declarada a competência do Juízo suscitado para processar e julgar a ação anulatória de débito fiscal. (STJ – 1ª S – CC 105.358-SP. Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ. 22.10.2010).