Resumo de Direito da Criança e do Adolescente - Ato Infracional

Ato infracional | Apuração de Ato Infracional

Um dos principais procedimentos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o procedimento de apuração de ato infracional. Ele é dotado de regras específicas que devem ser compreendidas para provas de concursos públicos.

Quando um adolescente pratica um ato infracional, deve esse ser apurado por meio de procedimento específico. Esse procedimento encontra previsão a partir do art. 171 do ECA. Nele, devem ser observados todos os princípios e garantias processuais constitucionalmente assegurados.

Vale observar que, embora seja aplicada a legislação penal à definição de atos infracionais, mesmo em crimes cuja ação penal pública fosse condicionada à representação, no caso de crianças e adolescentes, a ação será sempre pública incondicionada, não sendo a representação condição de procedibilidade. Esse é o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) (HC nº 160.292/MG, 5ª Turma, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 24.05.2011, DJe 02.06.2011).

Ademais, é importante notar que as disposições acerca desse procedimento vão além dele, tratando de regras aplicáveis desde o momento da apreensão em flagrante do adolescente (pré-processuais).


Apreensão e encaminhamento

A apreensão de adolescentes pode se dar em duas hipóteses:

  1. Ordem judicial.
  2. Flagrante de ato infracional.

De acordo com o art. 171 do ECA, “o adolescente apreendido por força de ordem judicial será, desde logo, encaminhado à autoridade judiciária” (grifos nossos).

A apreensão por ordem judicial deverá ser fundamentada e baseada em indícios suficientes de autoria e materialidade, além de demonstrar a necessidade imperiosa da medida, nos termos do art. 108 do ECA (GARCIA, 2016, p. 230).

Ademais, dar-se-á nas seguintes situações: (i) quando não for o adolescente encontrado para comparecer à audiência de apresentação; (ii) para cumprimento de medida de internação; (iii) para retornar ao cumprimento de medida de internação (LÉPORE, 2018, p. 495).

Já quanto à segunda hipótese de apreensão, estabelece o ECA:

Art. 172. O adolescente apreendido em flagrante de ato infracional será, desde logo, encaminhado à autoridade policial competente.

Parágrafo único. Havendo repartição policial especializada para atendimento de adolescente e em se tratando de ato infracional praticado em coautoria com maior, prevalecerá a atribuição da repartição especializada, que, após as providências necessárias e conforme o caso, encaminhará o adulto à repartição policial própria. (Grifos nossos.)

O flagrante de ato infracional se dá nas mesmas regras do processo penal, encontradas no art. 302 do Código de Processo Penal (CPP):

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I – está cometendo a infração penal;

II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.


Providências da autoridade policial em caso de flagrante

No caso da apreensão do adolescente em caso de flagrante, como já observamos, deverá o adolescente ser encaminhado à autoridade policial competente, que tomará as providências indicadas nos arts. 106, parágrafo único, e 107 do ECA, que dispõem:

Art. 106. (...)

Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos.

Art. 107. A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada.

Parágrafo único. Examinar-se-á, desde logo e sob pena de responsabilidade, a possibilidade de liberação imediata.

No entanto, de acordo com os incisos do art. 173 do ECA, as autoridades devem ainda tomar as seguintes providências:

Art. 173. Em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa, a autoridade policial, sem prejuízo do disposto nos arts. 106, parágrafo único, e 107, deverá:

I – lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente;

II – apreender o produto e os instrumentos da infração;

III – requisitar os exames ou perícias necessárias à comprovação da materialidade e autoria da infração.

Vale, contudo, salientar que, embora o art. 173, caput, do ECA fale da aplicação dessas medidas em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa, as medidas devem ser aplicadas independentemente do ato infracional praticado, com ou sem violência ou grave ameaça. No caso de flagrante de ato infracional cometido sem violência ou grave ameaça, dispensa-se somente a lavratura do auto de apreensão, que será substituído por boletim de ocorrência circunstanciado, nos termos do art. 173, parágrafo único, do ECA.


Ministério Público

Após a tomada de providências pela autoridade policial, é ainda possível que ocorra a liberação do adolescente caso os pais ou o responsável compareçam perante a autoridade policial responsabilizando-se pela apresentação do adolescente ao representante do Ministério Público (MP) no dia útil imediato à apreensão. Nessa hipótese, de acordo com o art. 176 do ECA, deverá a autoridade policial encaminhar imediatamente ao representante do MP a cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência.

No entanto, tratando-se de ato infracional grave e com repercussão social, pode ser necessária a permanência do adolescente sob internação, a fim de garantir sua segurança pessoal ou manter a ordem pública – medida que pode ser desafiada via habeas corpus (HC).

Ocorrendo alguma outra irregularidade pela autoridade judicial e, estando o adolescente em liberdade, cabe ainda mandado de segurança. Ambos os remédios são de competência do juiz da Vara da Infância e da Juventude.

Caso a liberação pelos pais não ocorra, deverá a autoridade policial encaminhar, desde logo, o adolescente ao representante do MP, junto de cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência.

Se, contudo, for impossível a apresentação imediata, deverá a autoridade policial encaminhar o adolescente à entidade de atendimento, que apresentará o adolescente ao representante do MP em 24 horas.

Ainda que afastada a hipótese de flagrante, havendo indícios de participação do adolescente na prática de ato infracional, deverá a autoridade policial encaminhar, ao representante do MP, relatório das investigações e demais documentos, conforme art. 177 do ECA.

Em nenhuma hipótese, o adolescente a quem se atribua a autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições que atentem à sua dignidade ou arrisquem a sua integridade física ou mental, nos termos do art. 178 do ECA.

Não havendo no local entidade de atendimento, a apresentação deverá ser feita pela autoridade policial, ficando o adolescente sempre em dependência separada da destinada a maiores, nunca excedendo o prazo de 24 horas para sua apresentação ao membro do MP.

O MP, por sua vez, deverá proceder a imediata e informal oitiva do adolescente, bem como, se possível, dos pais ou responsável, vítima e testemunhas. No entanto, caso não seja o adolescente apresentado, a autoridade deverá notificar aos pais ou responsável para que o façam, podendo, para tanto, requisitar o concurso das Polícias Civil e Militar.

O STJ (HC nº 121.733/SP, 6ª Turma, rel. Min. Og Fernandes, julgado em 03.03.2009) entendeu que a ausência da oitiva informal não gera nulidade da representação e dos atos subsequentes se houver nos autos elementos suficientes para a formação da convicção do magistrado. Ainda que insuficientes os elementos, deve o magistrado receber a representação, pelo in dubio pro societate (HC nº 131.018/ SP, 5ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, julgado em 19.08.2009).

Dessa oitiva, não necessariamente participará o defensor, salvo no caso de haver proposta de concessão de remissão como forma de exclusão do processo, cumulada com medida socioeducativa não restritiva de liberdade.

Após a oitiva, será ainda possível, de acordo com os incisos do art. 180 do ECA:

Art. 180. (...)

I – promover o arquivamento dos autos;

II – conceder a remissão;

III – representar à autoridade judiciária para aplicação de medida socioeducativa.

A adoção da primeira providência (arquivamento) ou da segunda (remissão), conforme dispõe o art. 181 do ECA, deverá ser feita por termo fundamentado que contenha o resumo dos fatos. Após a elaboração do termo, serão os autos conclusos à autoridade judiciária para homologação, podendo ocorrer uma das duas situações previstas nos §§ 1º e 2º do art. 181:

Art. 181. (...)

§ 1º Homologado o arquivamento ou a remissão, a autoridade judiciária determinará, conforme o caso, o cumprimento da medida.

§ 2º Discordando, a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar.

Já a representação à autoridade judiciária para aplicação de medida socioeducativa deve observar as seguintes disposições:

Art. 182. (...)

§ 1º A representação será oferecida por petição, que conterá o breve resumo dos fatos e a classificação do ato infracional e, quando necessário, o rol de testemunhas, podendo ser deduzida oralmente, em sessão diária instalada pela autoridade judiciária.

§ 2º A representação independe de prova pré-constituída da autoria e materialidade.

Embora o art. 182, § 2º, do ECA fale que a representação independe de prova pré-constituída, é necessário que existam indícios suficientes da autoria e materialidade.


Prazo para conclusão do procedimento

O art. 183 estabelece que “O prazo máximo e improrrogável para a conclusão do procedimento, estando o adolescente internado provisoriamente, será de quarenta e cinco dias”.

A esse respeito, temos ainda a Súmula nº 52 do STJ, que estabelece: “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo” (Súmula nº 52, Terceira Seção, julgado em 17.09.1992, DJ 24.09.1992). Assim, o procedimento pode seguir após atingir o prazo em questão, mas o adolescente deverá ser colocado em liberdade.


Citação e designação de audiência de representação

Assim que a representação é oferecida, deve a autoridade judiciária, nos termos do art. 184 do ECA, designar audiência de apresentação do adolescente, além de decidir com celeridade sobre a decretação ou manutenção da internação.

Vale observar que a internação não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional. Desse modo, ainda que inexista na comarca entidade própria para internação, deve o adolescente ser transferido para a mais próxima, e, sendo impossível a transferência, aguardará sua remoção em repartição policial, desde que em seção isolada dos adultos e com instalações apropriadas, pelo prazo máximo de cinco dias.

Quanto à citação, estabelece o ECA que:

Art. 184. (...)

§ 1º O adolescente e seus pais ou responsável serão cientificados do teor da representação, e notificados a comparecer à audiência, acompanhados de advogado.

§ 2º Se os pais ou responsável não forem localizados, a autoridade judiciária dará curador especial ao adolescente.

§ 3º Não sendo localizado o adolescente, a autoridade judiciária expedirá mandado de busca e apreensão, determinando o sobrestamento do feito, até a efetiva apresentação.

§ 4º Estando o adolescente internado, será requisitada a sua apresentação, sem prejuízo da notificação dos pais ou responsável.

Vale, ainda, observar que o adolescente e seus pais ou responsável podem optar por contratar advogado particular ou pela nomeação de defensor público, já que na audiência de apresentação é indispensável a presença de advogado. Isso se dá porque nessa audiência ocorre a primeira possibilidade de exercício do direito de defesa do adolescente. Nela, serão ouvidos não só o adolescente, como também seus pais ou responsável, além de ser possível a determinação da elaboração de estudos e pareceres sociais ou psicológicos por profissionais especializados.

Estabelece ainda o art. 186, § 2º:

Art. 186. (...)

§ 2º Sendo o fato grave, passível de aplicação de medida de internação ou colocação em regime de semiliberdade, a autoridade judiciária, verificando que o adolescente não possui advogado constituído, nomeará defensor, designando, desde logo, audiência em continuação, podendo determinar a realização de diligências e estudo do caso.

Ademais, em todas as etapas, inclusive nessa, devem ser observados os princípios inerentes ao devido processo legal. A audiência de apresentação pode ter como resultado uma de duas consequências:

1) após a oitiva do MP a esse respeito, pode o magistrado conceder remissão;

2) designar audiência em continuação, determinando a tomada de eventuais providências necessárias.

Após a realização da audiência de apresentação, nos termos do § 3º do art. 186, terá o advogado ou defensor o prazo de três dias para oferecer defesa prévia e rol de testemunhas.


Audiência em continuação

Na audiência em continuação, o magistrado colhe prova oral além de reunir os elementos indispensáveis ao julgamento do caso. Conforme prevê o art. 186, § 4º, nela ocorrem os seguintes atos:

1) oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa;

2) juntada do relatório da equipe interprofissional, que nem sempre é necessária (Supremo Tribunal Federal − STF, HC nº 107.473/MG, rel. Min. Rosa Weber, julgado em 11.12.2012);

3) debates, ouvindo-se o MP e o defensor, sucessivamente, pelo tempo de 20 minutos para cada um, prorrogável por mais 10;

4) decisão.

A confissão do adolescente, por si só, não é suficiente para ensejar a aplicação de medida socioeducativa, de acordo com a Súmula nº 342 do STJ.


Sentença

A sentença na ação socioeducativa pode se dar nos seguintes termos:

  1. Procedência da representação: nesse caso, o magistrado verifica que foi provada a autoria e a materialidade da infração, definindo a medida socioeducativa adequada ao caso.
  2. Improcedência da representação: a ação será improcedente se for provada a inexistência do fato ou não houver prova suficiente de sua existência, se o ato não constituir ato infracional, ou se não existirem provas de que o adolescente concorreu para o ato infracional.
  3. Reconhecimento de prescrição: nos termos da Súmula nº 338 do STJ: “A prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas”. Portanto, dar-se-á nos mesmos termos da prescrição penal.

Proferida a sentença na hipótese de procedência da representação, deverá ser intimada a parte na pessoa do defensor, a fim de possibilitar a interposição de recurso.