A autorização para viagem é tema de extrema importância prática, na medida em que ostenta natureza de mecanismo protetivo e de prevenção a crimes graves, a exemplo do tráfico de pessoas ou até mesmo evitar o sequestro internacional de crianças.
Nos arts. 83 a 85 do ECA o legislador traçou as diretrizes básicas das autorizações de viagem em âmbito nacional e internacional, sem prejuízo do disposto em tratados internacionais, bem como de regulamentação infralegal.
Considerando a presença de recentes alterações, nos termos da Lei nº 13.812/2019, é de extrema importância que o leitor entenda e memorize os casos e tipos de autorização para cada caso concreto.
Autorização para viagem em âmbito nacional
Em sua redação original, o art. 83 disciplinava apenas a possibilidade de viagem para fora da comarca em relação às crianças, excluindo os adolescentes, permitindo, assim, que maiores de 12 anos circulassem livremente em âmbito nacional, o que, na lição de Guilherme de Souza Nucci (2015), se mostrava demasiado liberal, permitindo fugas de casa ou a prática de prostituição em casos mais graves.
Vejamos o que dispunha o art. 83:
Seção III
Da Autorização para Viajar
Art. 83. Nenhuma criança poderá viajar para fora da comarca onde reside, desacompanhada dos pais ou responsável, sem expressa autorização judicial. (Grifos nossos.)
§ 1º A autorização não será exigida quando:
a) tratar-se de comarca contígua à da residência da criança, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana;
b) a criança estiver acompanhada:
1) de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau, comprovado documentalmente o parentesco;
2) de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável.
§ 2º A autoridade judiciária poderá, a pedido dos pais ou responsável, conceder autorização válida por dois anos.
Portanto, apenas a criança necessitava de autorização para deslocamento para outra comarca, restando dispensada se contígua à de sua residência, bem como nos casos em que a criança estivesse acompanhada de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau (tios).
Ocorre que, em 2019, o legislador melhor disciplinou a situação, estendendo a necessidade de autorização aos menores até 16 anos de idade. Portanto, a partir de 2019, os adolescentes entre 12 e 15 anos estarão submetidos à mesma disciplina anteriormente prevista apenas às crianças.
Vejamos a nova redação do art. 83:
Art. 83. Nenhuma criança ou adolescente menor de 16 (dezesseis) anos poderá viajar para fora da comarca onde reside desacompanhado dos pais ou dos responsáveis sem expressa autorização judicial. (Redação dada pela Lei nº 13.812, de 2019.)
§ 1º A autorização não será exigida quando:
a) tratar-se de comarca contígua à da residência da criança ou do adolescente menor de 16 (dezesseis) anos, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana; (Redação dada pela Lei nº 13.812, de 2019.)
b) a criança ou o adolescente menor de 16 (dezesseis) anos estiver acompanhado: (Redação dada pela Lei nº 13.812, de 2019.)
1) de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau, comprovado documentalmente o parentesco;
2) de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável.
§ 2º A autoridade judiciária poderá, a pedido dos pais ou responsável, conceder autorização válida por dois anos. (Grifos nossos.)
Documentos hábeis
Ainda, conforme leciona Guilherme Nucci, a prova do parentesco deverá ser feita mediante a apresentação de documento original, antes da viagem, tanto do adulto, quanto da criança.
De acordo com a previsão contida no art. 83, § 1º, letra “b”, n. 1, do Estatuto da Criança e Adolescente, a viagem de criança para fora da comarca onde reside, na companhia de ascendente, até terceiro grau, não exige autorização judicial. O parentesco deve ser comprovado documentalmente, o que pressupõe a apresentação de documentos originais. A cópia simples de certidão de nascimento da criança, então, não é suficiente, agindo com a cautela esperada a empresa ao impedir a viagem nestas circunstâncias. Não há falha no dever de informação se a exigência consta de forma expressa na lei, não sendo lícita a alegação de desconhecimento. Cumprimento do dever legal de fiscalização que afasta a alegada falha e a prática ilícita (TJRS, Recurso Cível nº 71003544533, 2ª Turma Recursal, rel. Min. Juliano da Costa Stumpf, julgado em 31.08.2012, v.u.).
Ainda no escólio de Nucci, a carteira de vacinação é documento hábil para comprovar o parentesco, conforme se extrai de julgado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Poderá o menor de doze anos viajar acompanhado de ascendente, dês que o grau de parentesco resulte comprovado documentalmente, sendo a carteira de saúde/vacinação meio hábil para tanto, mormente quando assim determinado na comarca por Portaria Judicial (TJSC, Apelação 2003.005114-7, 2.ª Câm. Criminal, rel. Min. Maurílio Moreira Leite, julgado em 15.04.2003, v.u.).
Por fim, importante notar que a autorização expressa deverá ser conferida antes da viagem, sendo incabível alegação de autorização após o transporte irregular.
1. Segundo o art. 83, § 1º, “b”, item 2 da Lei 8.069/90, não se exige autorização judicial quando a criança, viajando para fora da comarca onde reside (exceto comarca contígua ou na mesma região metropolitana), estiver acompanhada de pessoa maior expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável. 2. Quem transporta criança ou adolescente, por qualquer meio, sem observância dos arts. 83, 84 e 85 da Lei 8.069/90, está sujeita ao pagamento de multa de três a vinte salários de referência, nos termos do art. 251 do mesmo diploma legal. 3. A conduta tida por infracional consiste na permissão de que a criança viaje em desacordo com a lei e aperfeiçoa-se no momento do transporte, sendo totalmente desinfluente a produção de qualquer prova posterior, o que não fará desaparecer o ilícito (STJ, REsp. nº 649.467/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 06.12.2005, v.u.).
Autorização para viagem em âmbito internacional
Em se tratando de viagem ao exterior, restou mantida a disciplina original do Estatuto, conforme delineado em seu art. 84.
Art. 84. Quando se tratar de viagem ao exterior, a autorização é dispensável, se a criança ou adolescente:
I – estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável;
II – viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro através de documento com firma reconhecida.
Fazendo-se uma leitura a contrario senso, depreende-se que há necessidade de autorização nas hipóteses não elencadas nos incisos I e II.
Portanto, caso o menor não estiver acompanhado de ambos os pais, far-se-á necessário a autorização do ausente, salvo em casos nos quais a guarda seja exclusiva de um dos genitores, ou mesmo em casos de falecimento do outro.
Importante notarmos que a autorização exige o reconhecimento de firma, ou seja, autenticação em cartório da assinatura do genitor ausente na viagem.
Conforme leciona Nucci (2015),
Apesar desse quadro restritivo, o Conselho Nacional de Justiça ampliou as hipóteses de dispensa de autorização judicial, editando a Resolução 74/2009, depois substituída pela Resolução 131/2011. Em nosso entendimento, assim como ocorre noutras áreas do Direito, o CNJ tem legislado, ora restringindo o alcance de leis, ora ampliando, conforme o caso – e, por vezes, até mesmo suprindo lacunas. Sabe-se que o propósito do Conselho Nacional de Justiça é sempre o mais nobre, porém, ingressa no âmbito legislativo, o que não nos parece adequado. No presente caso (Resolução 131/2011), dispensa-se a autorização judicial para que crianças e adolescentes sigam ao exterior sozinhos ou junto com maiores e capazes, se designados e autorizados pelos pais, por documento escrito, com firma reconhecida. Pode ir sozinho ou com maiores capazes, ao voltarem para a sua residência no exterior, se autorizado pelos pais, mediante autorização escrita dos pais, com firma reconhecida. É possível ir ao exterior, também, quando em companhia de um dos genitores, independentemente de qualquer autorização escrita.
A prova de que o menor de 18 anos reside no exterior deve ser feita por atestado de residência, emitido por repartição consular brasileira há menos de dois anos. A Resolução aponta o responsável legal – que não consta do Estatuto – como sendo o guardião por prazo indeterminado ou o tutor, que também pode autorizar a viagem, como se pais fossem.