O fundamento das cláusulas abusivas, segundo doutrina mais moderna, se encontra sob um paradigma objetivo, especialmente nos princípios da boa-fé objetiva e do abuso do direito (Código Civil – CC, art. 187), de sorte a atentar mais aos efeitos e resultados das cláusulas ao eventual atuar malicioso da parte.
Tem-se, pois, como abusiva toda a cláusula que é notoriamente desfavorável à parte mais fraca da relação contratual – o consumidor.
O art. 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê, em rol meramente exemplificativo (numerus apertus), as cláusulas abusivas.
De mais a mais, vale frisar que a nulidade das cláusulas abusivas pode (ou melhor, deve) ser reconhecida tanto nos contratos de adesão, como nos contratos de comum acordo (contrat de gré à gré).
Como consequência do viés objetivo da análise de eventuais abusividades, tem-se que a nulidade das cláusulas abusivas independe da demonstração de má-fé do fornecedor.
Embora a presença de uma cláusula abusiva viole o equilíbrio contratual, sempre que possível, deve-se buscar salvaguardar o contrato e excluir a normatividade ilícita. Em outras palavras, a presença de cláusula abusiva não importará a nulidade de todo o contrato, salvo quando a omissão da cláusula espúria engendrar ônus excessivo para qualquer das partes. Portanto, deve-se procurar “salvar” o contrato, isolando a nulidade de cláusula maculada e aproveitando o restante do contrato firmado.
Toda cláusula abusiva é nula de pleno direito, podendo ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição e reconhecida judicialmente a requerimento das partes ou por ato de ofício, tendo efeito ex tunc.
Muito importante!
Em se tratando de contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas abusivas (Súmula nº 381 do Superior Tribunal de Justiça – STJ).
As características do regramento do CDC sobre as cláusulas abusivas são as seguintes:
a) nulidade absoluta;
b) pode ser alegada a qualquer tempo;
c) pode ser reconhecida de ofício pelo juiz ou a requerimento da parte;
d) a cláusula é nula e, se for essencial ao negócio jurídico, esse também é nulo;
e) o efeito retroage à data de celebração do contrato;
f) rol exemplificativo do art. 51 do CDC.
Rol do art. 51, CDC
Como dito, o art. 51 do CDC traz um rol exemplificativo de cláusulas abusivas, podendo haver outras cláusulas de acordo com o caso concreto.
Analisam-se as cláusulas do art. 51, CDC:
I – Cláusula de não indenizar; de renúncia ou disposição de direitos e de limitação de indenização: o inciso I do art. 51 do CDC está relacionado com o art. 6º, VI, do CDC, que estabelece, como direito básico do consumidor, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Observe-se que o art. 51, I, CDC, estabelece que, nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Contudo, não poderá haver cláusula que exclua o direito à indenização.
II – Cláusula que subtrai a opção de reembolso. Com efeito, de acordo com o art. 51, II, CDC, será nula a cláusula que, por exemplo, faça com que o consumidor, antecipadamente, renuncie à possibilidade de ser reembolsado em caso de cobrança indevida, conforme previsão do parágrafo único do art. 42, CDC. Ou ainda, a cláusula que faça com que consumidor renuncie ao reembolso em caso de arrependimento na forma do art. 49, CDC.
De acordo com a Súmula nº 543 do STJ, “na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.
III – Cláusula que transfere a responsabilidade a terceiros. O art. 51, III, CDC, torna nula a cláusula em que o fornecedor transfere a responsabilidade a terceiros, com o que se visa tutelar o sistema de responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores adotada pelo CDC.
Poderá o fornecedor celebrar contrato de seguro com seguradora para se garantir possível prejuízo em relações de consumo. Nesse caso, há maior garantia ao consumidor, pois o fornecedor, quando demandado, poderá chamar a seguradora no processo (art. 101, II, CDC)
IV – Cláusula que estabelece obrigação iníquas ou desvantagem exagerada ou que seja incompatível com a boa-fé e equidade. Na forma do art. 51, § 1º, CDC, presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Nesse sentido, têm-se as seguintes súmulas do STJ:
Súmula nº 302: É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.
Súmula nº 597: A cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação.
Súmula nº 609: A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.
O inciso V do artigo em estudo foi vetado.
VI – Cláusula que estabelece inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor. o inciso VI do art. 51 do CDC está relacionado com o art. 6º, VIII, do CDC, que estabelece, como direito básico do consumidor, a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
VII – Cláusula que estabelece a arbitragem compulsória. O CDC não veda que haja resolução do conflito consumerista por meio de arbitragem, mas veda que arbitragem seja imposta ao consumidor.
VIII – Cláusula que imponha representante. O CDC veda a chamada cláusula-mandato, que se verifica, notadamente, nos contratos bancários. Vedam-se, assim, cláusulas que imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor.
IX – Cláusula que permite a critério do fornecedor concluir ou não contrato. O CDC veda cláusulas que deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumido.
X – Cláusula que permite alteração unilateral do preço. O CDC veda cláusulas que permitem ao fornecedor alterar unilateralmente o preço do produto ou do serviço, direta ou indiretamente.
XI – Cláusula que autoriza o cancelamento unilateral do contrato. O CDC veda cláusulas que autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor. Esse dispositivo veda a resilição unilateral pelo fornecedor, notadamente, em contratos cuja execução se estenda no tempo, como os contratos de plano de saúde.
XII – Cláusula que obriga o ressarcimento unilateral do contrato. O CDC veda cláusulas que obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor.
XIII – Cláusula que autoriza a modificação unilateral do contrato. O CDC veda cláusulas que autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração. As alterações contratuais devem ser feitas por manifestações expressas do consumidor e do fornecedor.
XIV – Cláusula que viole normas ambientais. O CDC veda cláusulas que possa violar o meio ambiente, que deve ser entendido de forma ampla, devendo abranger, por exemplo, os meios ambientes natural, cultural e do trabalho.
XV – Cláusula que esteja em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.
XVI – Cláusula que possibilita a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.