Um governo provisório de caráter socialista
A Comuna de Paris é considerada por muitos estudiosos como o primeiro exemplo de governo popular que existiu. Na História Moderna, essa foi uma das experiências de regimes autointitulados comunais mais relevantes. Baseada nos princípios da Primeira Internacional dos Trabalhadores, a Comuna de Paris, que ficou mundialmente conhecida por ser a primeira república proletária da história, formada, principalmente por trabalhadores, teve início durante a insurreição popular de 18 de março de 1871.
Na época, os franceses tinham sido derrotados pelos prussianos, e Napoleão III, atual imperador da França, tinha sido levado preso. Com a captura de seu líder, seria formada uma Segunda República da França, uma opção de governo provisório que poderia apaziguar os ânimos dos cidadãos durante o pós-guerra e promover uma aproximação entre franceses e prussianos. Mas as pessoas não contavam com um movimento de resistência que viria a seguir.
Contexto histórico da Comuna de Paris
Para ter total compreensão do que foi a Comuna de Paris e do porquê desse movimento se apoiar em princípios socialistas é necessário entender o contexto em que ela estava inserida. Na metade do século XIX, aproximadamente, a Europa passava por processo de transição bastante turbulento. Era um período pós-guerra em que a desigualdade social estava latente.
A Era Napoleônica havia chegado ao fim e boa parte dos territórios que estavam sob o domínio da França foram perdidos. Logo em seguida, se iniciava a expansão industrial que trouxe várias mudanças no cenário político e social europeu e também novas configurações no espaço urbano. Com a Revolução Industrial e as novas relações de trabalho, não demorou muito para que ideologias como o socialismo e anarquismo despontassem.
As novas doutrinas políticas questionavam a organização econômica, o modelo social vigente, a distribuição de bens, os meios de produção. Esse discurso ganhou adesão entre as classe trabalhadora e impulsionou a criação de movimentos populares que sonhavam com governos mais participativos e a atuação popular nas decisões políticas.
Com a Segunda Revolução Industrial, o capitalismo tomou conta de toda a Europa. A industrialização que tinha começado na Inglaterra no século XVIII, já tinha se expandido pelo continente. A fase, trouxe mudanças bastante significativas, como o aumento da urbanização. O que aconteceu, de fato, foi um inchamento das cidades e a formação de uma nova classe social, a operária.
A desigualdade social provocada pela industrialização era visível. Os trabalhadores das indústrias e fábricas tinham que enfrentar longas jornadas de trabalho, em lugares insalubres e sem um salário que equivalesse ao tempo de serviço. Estava na hora de cobrar aos governantes e patrões por melhores condições.
Como representantes do socialismo, Saint-Simon e Robert Owen já teciam duras críticas às diferenças sociais que haviam se instalado na Europa. Os ideólogos acreditavam que para o mudar o cenário era preciso dar fim ao individualismo e a propriedade privada, mas isso deveria acontecer de forma pacífica, sem uso da violência.
Porém, em 1848, outros dois grandes personagens da história surgiram para dar uma nova direção ao movimento: Karl Marx e Friedrich Engels. Com a publicação do Manifesto Comunista, o socialismo sairia do idealismo e iria para o da práxis.
O marxismo pregava a mudança social através da luta de classes. Segundo o pensamento marxista, os operários só conseguiriam sair da pobreza caso reconhecessem sua condição social e confrontassem a burguesia. Essa ideia se tornou característica de vários movimentos e grupos sociais, assim como serviu de guia para o estabelecimento da Comuna de Paris.
Guerra Franco- Prussiana
A Guerra Franco-Prussiana aconteceu entre o Império Francês e o Reino da Prússia em 1870-71. Quando o Império de Napoleão Bonaparte começou a ruir, os países da Europa voltaram a celebrar o nacionalismo. No Reino da Prússica, o chanceler Otto von Bismark sonhava em unificar os estados germânicos do norte e do sul. Ele sabia que teria os estados do sul como aliado se a guerra fosse contra a França, uma inimiga em comum. Por isso, ele procurou um pretexto para que a França declarasse guerra contra o Reino da Prússia.
O clima entre os países estava cada vez mais tenso. A Espanha, que estava sem um soberano desde 1868, estava em busca de um rei. Um dos candidatos era de família alemã, o que o fez ser recusado de imediato.
O acontecido gerou uma animosidade entre os dois países. Quando o Imperador Francês exigiu uma explicação por escrito, Bismarck aproveitou sua chance. Ele alterou o telegrama do Rei da Prússia, inserindo um tom ofensivo aos franceses. O fato foi suficiente para Napoleão III declarar uma guerra contra a Prússia. O exército da França estava reduzido a armas antigas e nada puderam fazer diante da indústria bélica alemã, a derrota francesa era iminente.
O Estopim
Com a derrota francesa para a Prússia e a prisão de Napoleão III várias manifestações populares ocorreram nas ruas de Paris. A população exigia que o governo revidasse o ataque vindo dos prussianos. Com a prisão do imperador, foi instalado um governo provisório comandado por Adolphe Thiers, representante da burguesia. O objetivo do novo governante era o de propor um acordo de paz com a Prússia.
Mas os cidadãos não concordaram com a ideia e se rebelaram contra Thiers, montando várias barricadas nas ruas. Por conta da revolta, o governo de Thiers se transferiu para Versalhes enquanto as ruas de Paris foram tomadas pelo povo.
Tomada de Paris
A capital da França foi tomada pela classe operária, que organizou uma república popular denominada Comuna de Paris. O governo se baseou na Revolução Francesa e seus integrantes foram escolhidos por sufrágio universal, em que todos os cidadãos adultos (homens) tinham o direito ao voto. O conselho da Comuna de Paris criou um programa que introduziu as seguintes reformas:
Educação gratuita e obrigatória;
Descontos em salários abolidos;
Abolição do trabalho noturno;
Redução da jornada de trabalho;
Legalização dos sindicatos e tantos outros.
O objetivo da Comuna era o de instalar um governo que buscasse pela igualdade social. Mas não demorou muito para que o governo provisório que havia se instalado em Versalhes tomasse providências. Com o apoio dos prussianos, Thiers invadiu a capital francesa para destituir a Comuna de Paris e restaurar o sistema provisório na capital. O episódio foi catastrófico.
Semana sangrenta
Thiers invadiu a cidade em maio de 1871. O conselho da Comuna de Paris não estava pronto para reagir ao ataque que era, no mínimo, desproporcional. Os integrantes da comuna foram massacrados. Estima-se que ao menos 20 mil pessoas foram mortas e 15 mil foram presas nesse episódio.
A Comuna de Paris foi diluída, mas através do movimento, o mundo inteiro viu que a luta de classes e a tomada de poder, tão sonhada pela ideologia marxista, era uma possibilidade. No fim, a república popular se tornou uma referência para todos os outros modelos de governo socialista que viriam a seguir.