Resumo de Acessibilidade - Conceito de “pessoa com deficiência” – uma visão emancipatória

A partir de 2007, a terminologia “pessoa com deficiência” foi promulgada pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU e passou a ser adotada até os dias atuais. Esse termo tem associado um certo empoderamento, tendo em vista que pressupõe o uso do poder pessoal para fazer escolhas, tomar decisões e assumir o controle da situação de vida.

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, portanto, trouxe um novo conceito de pessoa com deficiência, reconhecendo, em seu preâmbulo, que tal conceito está em constante evolução, devendo ser analisado e atualizado de acordo com cada contexto histórico.

Define, então, pessoas com deficiência da seguinte maneira: “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (art. 1º).

Nota-se que o conceito apresentado se relaciona com a ambiência, e não com algo inerente à pessoa, pois são as barreiras para o pleno exercício da liberdade e da participação em sociedade que caracterizam a deficiência em um indivíduo. Essa ideia está contida na alínea “e” do preâmbulo. Vejamos:

e) Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, (...).

Vale salientar que não se mostra adequado utilizar a expressão “portador de deficiência”, pois esse termo faz referência a algo que se “porta”, dando à deficiência a ideia de temporariedade quando, na maioria das vezes, trata-se de algo permanente. Ademais, o uso dessa expressão pode gerar estigma, tendo em vista que a deficiência passa a ser característica principal do indivíduo em detrimento de sua condição humana.

No mais, também é inadequado o uso do termo “deficiente”, uma vez que, como no caso do termo “portador”, acaba reduzindo a pessoa àquela condição.

As expressões supracitadas, portanto, são incompatíveis com o novo paradigma adotado pelo Estado brasileiro ao ratificar a Convenção da ONU, sendo, então, apropriado utilizar a expressão “pessoa com deficiência”, por se mostrar mais humanizada.

Apesar de a CF/1988 ainda utilizar a expressão “pessoas portadoras de deficiência”, importa saber que se trata de expressão obsoleta e que a deficiência não está no indivíduo, mas na sua interação com as barreiras impostas pela sociedade.

No mais, dispõe o art. 1º da convenção que as pessoas com deficiência incluem aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, em interação com uma ou mais barreiras, podem impedir sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros.

O art. 1º da convenção dispõe:

Art. 1º (...)

Propósito

O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

O caput do art. 2º da Lei nº 13.146/2015 basicamente repete a disposição da Convenção da ONU acima mencionada:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Ainda, há outros conceitos, compatíveis com o que foi apresentado acima, presentes na legislação infraconstitucional.

Vejamos os arts. 3º e 4º do Decreto nº 3.298/1999, que regulamentou a Lei nº 7.853/1989, que trata da Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência.

Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II – deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz;

III – deficiência visual – cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

c) habilidades sociais;

d) utilização dos recursos da comunidade;

e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho;

V – deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências. (Grifos nossos.)

Pelo exposto, podemos concluir que a pessoa com deficiência é, antes de mais nada, uma pessoa com uma história de vida que lhe confere a realidade de conviver com uma deficiência, além de outras experiências de vida, como estrutura familiar, contexto sociocultural e nível econômico. E como pessoa, é ela quem vai gerir sua própria vida, mesmo que existam barreiras.