Resumo de Direitos Humanos - Convenção sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) | Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças | Convenção sobre os Direitos da Criança

A proteção das crianças e adolescentes, na esfera internacional, se dá especialmente por meio do sistema global especial, contando com a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e seus três protocolos facultativos: 1) conflitos armados, 2) venda, prostituição e pornografia infantil, e, por fim, 3) mecanismos de comunicação.

Para além disso, tema de fundamental importância, especialmente prática, diz respeito aos aspectos civis do sequestro internacional de crianças, tema tratado na Convenção da ONU.

Não raras vezes, ocorrem conflitos de guardas, visitas, transferências de crianças em desacordo com determinações legais e descumprimento de guardas estabelecidas em diversos países, comuns naqueles casos em que os pais são de nacionalidade distintas e residem em países diferentes e um deles acaba transferindo ou retendo o(s) filho(s) em desacordo com as determinações legais de um ou de ambos os Estados.

O tratado sobre os aspectos civis do sequestro de crianças visa justamente tutelar casos como estes, sempre tendo como baliza o melhor interesse ao menor.

2. Convenção sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças

Tratado multilateral adotado na cidade de Haia, em 25 de outubro de 1980.

Internalizada no Brasil por meio do Decreto nº 3.413/2000.

O Brasil impôs reserva ao art. 24 da Convenção, para que os documentos estrangeiros juntados sejam acompanhados de tradução em português.

Os objetivos centrais da Convenção são assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas e fazer respeitar os direitos de guarda e visitas.

Capítulo 1

Âmbito da Convenção

Art. 1

A presente Convenção tem por objetivo:

a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;

b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante.


Âmbito de aplicação

Nos termos de seu art. 4º, incide em relação a quaisquer crianças com residência habitual em um dos Estados Partes no momento imediatamente anterior à violação do direito de guarda ou visita.

A aplicação da Convenção cessa quando o menor completar 16 anos.

Art. 4

A Convenção aplica-se a qualquer criança que tenha residência habitual num Estado Contratante, imediatamente antes da violação do direito de guarda ou de visita. A aplicação da Convenção cessa quando a criança atingir a idade de dezesseis anos. (Grifos nossos.)

Definição de guarda e visita – A Convenção traz expressamente os conceitos de guarda e visita em seu art. 5.

A definição de guarda é extremamente importante porquanto a base da Convenção é justamente analisar a violação desses direitos e, se violados os direitos de guarda e visitas, configura-se uma hipótese de transferência ilícita da criança que poderá, então, dar ensejo à aplicação da Convenção.

O direito de guarda é tido como relativo aos cuidados com a criança, em particular o direito de decidir sobre o lugar da sua residência.

A seu turno, o direito de visita é tido como o direito de levar uma criança, por um período limitado de tempo, para um lugar diferente daquele onde ela habitualmente resida.

Assim, a fim de atrair a incidência das disposições constantes da Convenção de Haia, é de suma importância verificar a ilicitude da conduta, o que se dá, notadamente, a partir das definições de guarda e direito de visita.

Art. 5

Nos termos da presente Convenção:

a) o “direito de guarda” compreenderá os direitos relativos aos cuidados com a pessoa da criança, e, em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência;

b) o “direito de visita” compreenderá o direito de levar uma criança, por um período limitado de tempo, para um lugar diferente daquele onde ela habitualmente reside. (Grifos nossos.)

No que diz respeito à transferência ou retenção ilícitas de criança, essencial atenção à disciplina prevista no art. 3 da Convenção, especialmente ao fator temporal – violação da guarda de acordo com as leis do Estado de residência habitual no momento imediatamente anterior à transferência ou retenção.

Além disso, importante notar que a guarda lícita poderá decorrer de:

a) atribuição de pleno direito.

b) decisão judicial ou administrativa.

c) acordo vigente no país de residência habitual.

Art. 3

A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:

a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e

b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O direito de guarda referido na alínea a) pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o direito desse Estado. (Grifos nossos.)

Assim, para analisar, no âmbito da Convenção, se houve ou não a retenção ou transferência ilícita da criança, deve-se analisar, em uma primeira hipótese, se houve violação ao direito de guarda atribuída a pessoa, instituição ou qualquer outro organismo, pela lei do Estado onde a criança residia habitualmente no momento imediatamente anterior à sua transferência ou retenção.

Impende mencionar que essa análise se dá tomando como parâmetro a legislação do país em que a criança habitualmente resida, segundo as decisões judiciais que possam ter conferido plenos poderes de guarda para aquela pessoa ou mesmo acordos de vontade ou acordos que foram feitos entre as partes no âmbito daquele Estado (de residência habitual). A transferência, se é lícita ou ilícita, é analisada de acordo com esses parâmetros, o parâmetro de guarda nos termos da legislação vigente no país de residência habitual.

Uma segunda hipótese diz respeito à violação do direito de guarda quando ele estiver sendo exercido de maneira efetiva, individual ou conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo caso tais acontecimentos não tivessem ocorrido. Vale dizer, o direito de guarda deveria estar sendo exercido de maneira efetiva no momento da transferência, a título individual ou compartilhado.

Se aquele que tem o direito de guarda conferido pelas leis, ou por um acordo feito segundo o país de residência da criança, não o estiver exercendo de maneira efetiva, não poderá invocar tal circunstância a seu favor.


Requisitos de aplicabilidade da convenção

Com base no explicitado até o momento, podemos sistematizar cinco requisitos para a aplicação da Convenção sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças.

1) Estados Partes envolvidos sejam signatários da Convenção;

2) Criança tenha residência habitual no Estado requerente, imediatamente antes da retenção ou transferência ilícita para outro país;

3) Violação do direito de guarda ou visita, conforme a lei do país de residência habitual da criança;

4) Solicitação da restituição da criança por quem detinha legalmente a guarda ou exercia os cuidados dela;

5) Criança com idade inferior a 16 anos.

Presentes esses pressupostos, será obrigatória a restituição ou retorno da criança?

Não necessariamente, vez que há previsão expressa de exceções na Convenção – arts. 12 e 13. Portanto, ainda que presentes os cinco requisitos acima, pode ocorrer o não retorno, de forma excepcional, da criança ilicitamente transferida ou retida.

De forma didática, temos as seguintes exceções:

1) Transcurso de mais de um ano da retirada ou retenção, no momento do recebimento do pedido, desde que comprovado que a criança já se encontra integrada em seu novo meio – art. 12.

2) Se provado que a pessoa detentora da criança sob seus cuidados não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou retenção, ou que houve consentimento posterior em relação à transferência ou retenção – art. 13, a.

3) Se provada a existência de risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou ainda, de qualquer outro modo, ficar em situação intolerável – art. 13, b.

4) Ao se verificar oposição da criança ao pedido de retorno, desde que ela já tenha atingido idade e grau de maturidade suficientes à consideração de sua opinião – art. 13, in fine.

Art. 12

Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3 e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o retomo imediato da criança.

A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após expirado o período de um ano referido no parágrafo anterior, deverá ordenar o retorno da criança, salvo quando for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio.

Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tiver razões para crer que a criança tenha sido levada para outro Estado, poderá suspender o processo ou rejeitar o pedido para o retomo da criança.

Art. 13

Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retomo da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retomo provar:

a) que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou

b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.

A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o retorno da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.

Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão tomar em consideração as informações relativas à situação social da criança fornecidas pela Autoridade Central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado de residência habitual da criança.


Autoridades centrais

A convenção não estabelece qual será a autoridade central, deixando a cargo de cada Estado Parte internamente decidir.

Capítulo ll

Autoridades Centrais

Art. 6

Cada Estado Contratante designará uma Autoridade Central encarregada de dar cumprimento às obrigações que lhe são impostas pela presente Convenção.

Estados federais, Estados em que vigorem vários sistemas legais ou Estados em que existam organizações territoriais autônomas terão a liberdade de designar mais de uma Autoridade Central e de especificar a extensão territorial dos poderes de cada uma delas. O Estado que utilize esta faculdade deverá designar a Autoridade Central à qual os pedidos poderão ser dirigidos para o efeito de virem a ser transmitidos à Autoridade Central internamente competente nesse Estado.

Não obstante, as autoridades centrais possuem algumas atribuições descritas pela Convenção, conforme seu art. 7.

Art. 7

As autoridades centrais devem cooperar entre si e promover a colaboração entre as autoridades competentes dos seus respectivos Estados, de forma a assegurar o retorno imediato das crianças e a realizar os demais objetivos da presente Convenção.

Em particular, deverão tomar, quer diretamente, quer através de um intermediário, todas as medidas apropriadas para:

a) localizar uma criança transferida ou retida ilicitamente;

b) evitar novos danos à criança, ou prejuízos às partes interessadas, tomando ou fazendo tomar medidas preventivas;

c) assegurar a entrega voluntária da criança ou facilitar uma solução amigável;

d) proceder, quando desejável, à troça de informações relativas à situação social da criança;

e) fornecer informações de caráter geral sobre a legislação de seu Estado relativa à aplicação da Convenção;

f) dar início ou favorecer a abertura de processo judicial ou administrativo que vise o retomo da criança ou, quando for o caso, que permita a organização ou o exercício efetivo do direito de visita;

g) acordar ou facilitar, conforme às circunstâncias, a obtenção de assistência judiciária e jurídica, incluindo a participação de um advogado;

h) assegurar no plano administrativo, quando necessário e oportuno, o retorno sem perigo da criança;

i) manterem-se mutuamente informados sobre o funcionamento da Convenção e, tanto quanto possível, eliminarem os obstáculos que eventualmente se oponham à aplicação desta. (Grifos nossos.)

Em apertada síntese:

1) Localizar uma criança transferida ou retida ilicitamente.

2) Evitar novos danos à criança, tomando ou fazendo tomar medidas protetivas.

3) Assegurar a entrega voluntária da criança ou facilitar uma solução amigável.

4) Dar início ou favorecer a abertura de processo judicial ou administrativo que vise o retorno da criança.

5) Acordar ou facilitar a obtenção de assistência judiciária e jurídica.

6) Assegurar no plano administrativo o retorno sem perigo da criança.

7) Manterem-se mutuamente informados.


Direito de visitas

Além das atribuições referidas acima, a autoridade central receberá pedido de visita ou retorno, nos termos do art. 21 da Convenção.

Capítulo IV

Direito de visita

Art. 21

O pedido que tenha por objetivo a organização ou a proteção do efetivo exercício do direito de visita poderá ser dirigido à Autoridade Central de um Estado Contratante nas mesmas condições do pedido que vise o retomo da criança.

Às Autoridades Centrais incumbe, de acordo com os deveres de cooperação previstos no Artigo 7, promover o exercício pacífico do direito de visita, bem como o preenchimento de todas as condições indispensáveis ao exercício deste direito. As autoridades centrais deverão tomar providencias no sentido de remover, tanto quanto possível, todos os obstáculos ao exercício desse mesmo direito.

As Autoridades Centrais podem, diretamente ou por meio de intermediários, iniciar ou favorecer o procedimento legal com o intuito de organizar ou proteger o direito de visita e assegurar a observância das condições a que o exercício deste direito esteja sujeito.