A destinação das receitas tributárias também não interfere na natureza jurídica do tributo.
O destino do produto da arrecadação da espécie tributária diz mais à utilização dos recursos obtidos, sendo matéria da ciência das finanças. Trata-se de um problema que implica uma solução posterior ao fato jurídico. Ouçamos Becker apud Moraes (1995, p. 364-365):
Nenhuma influência exerce sobre a natureza jurídica do tributo, a circunstância do mesmo ter uma destinação determinada ou indeterminada, ser ou não ser, mais tarde, devolvido ao próprio e ao mesmo contribuinte em dinheiro, em títulos ou em serviços.
A destinação do produto da arrecadação da espécie tributária não pode, pois, constituir um requesto da relevância jurídica. Tal destinação é apenas um elemento contábil ou financeiro.
A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo regime jurídico que um dado sistema atribui às espécies tributárias, independentemente de haver uma estipulação normativa específica. O significado que algo assume para o Direito é aquele que o próprio sistema determina e não a vontade do legislador ou os dizeres de um artigo de lei. Em outras palavras, existisse ou não o art. 4º do CTN, o resultado seria exatamente o mesmo, ou seja, a natureza do tributo, quanto à espécie, haveria de ser como é, determinada pela conjugação dos componentes denominados hipótese de incidência tributária e base de cálculo.
A natureza jurídica do tributo deve ser distinguida conforme a sua hipótese de incidência.
A hipótese de incidência é uma categoria jurídica existente no mundo do Direito, com uma descrição hipotética de um fato ou de um estado de fato. Assim, a lei, ao descrever um fato, atribui a consequência de determinar o surgimento da obrigação tributária concreta. Em termos kelsenianos, é uma suposição legal atribuída a uma causa que gera o vínculo tributário. (ATALIBA, 1990).
Ela descreve, hipoteticamente, certos fatos, estabelecendo os requisitos de sua materialidade. Uma vez ocorridos concretamente esses fatos com a consistência prevista na hipótese de incidência, e revestindo-se de forma prefigurada idealmente à imagem legislativa abstrata, reconhece-se que deles nasce a obrigação tributária concreta.
A hipótese de incidência é a norma jurídica tributária. É a manifestação legislativa de uma hipótese de um fato, mas não o fato em si.
Cumpre observar que, ao idealizar o Código Tributário Nacional, Rubens Gomes de Souza, em determinados dispositivos, a exemplo do art. 4º, menciona a palavra fato gerador, ora referindo-se a mera descrição legislativa (hipótese de incidência), ora referindo-se ao fato concreto. É necessário nesta oportunidade identificarmos se essa expressão se refere à norma jurídica tributária ou ao fato gerador propriamente dito, o qual é a materialização concreta no mundo dos fenômenos do fato descrito hipoteticamente na hipótese de incidência.
O que se revela pertinente é que a expressão “fato gerador” contida nesse artigo refere-se à hipótese de incidência e não ao fato gerador propriamente dito. Assim, a natureza jurídica específica do tributo será determinada pela hipótese de incidência da respectiva obrigação.
Cabe ao intérprete analisar a norma jurídica tributária para alcançar e satisfazer a expectativa da identificação da espécie tributária pelo estudo do conteúdo componente da descrição normativa.
Dessa forma, ao trazer a norma jurídica a estudo, a primeira providência é verificar se ela mantém em sua descrição alguma atividade estatal, ou seja, se se trata de um tributo vinculado ou não vinculado. Se a norma não trouxer qualquer atividade estatal específica, com certeza estaremos diante de um tributo não vinculado, podendo ser das espécies imposto ou empréstimo compulsório.
Nessa situação, inexistindo dentro do contexto da hipótese de incidência qualquer promessa de devolução, e consoante o que dispõe expressamente o art. 16 do CTN, estaremos inexoravelmente diante de um tributo da espécie imposto: “Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.
Ao contrário, se a norma jurídica (hipótese de incidência) trouxer em seu seio alguma atividade estatal específica, indubitavelmente estaremos diante de um tributo vinculado, que poderá ser da espécie taxa ou contribuição de melhoria, consoante o que dispõem os arts. 77 e 81 do CTN, respectivamente:
Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização efetiva ou potencial de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição.
(...)
Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
Se tal atividade estatal específica corresponder meramente ao seu exercício, sem guardar qualquer efeito próprio e positivo em favor daquele a quem o Direito aproveitou, estaremos diante de uma taxa.
A partir do art. 77 do CTN, podemos observar a existência de dois tipos básicos de taxas, as de fiscalização e as de serviço.