Resumo de Direitos Humanos - Dignidade da pessoa humana

Características dos direitos humanos

A base filosófica para a atual concepção de dignidade humana advém da doutrina de Immanuel Kant (notadamente na obra Fundamentação da metafísica dos costumes), para quem tudo ou tem um preço ou tem uma dignidade. Aquilo que tem preço é substituível e possui equivalente (coisas); já aquilo que não admite equivalente possui dignidade (indivíduos). É nesse sentido que se pode perceber a festejada distinção kantiana entre coisas e pessoas, segundo a qual as coisas são um instrumento para alcançar determinado fim, ao passo que o indivíduo é um fim em si mesmo. Por isso, toda vez que se utiliza um indivíduo para alcançar determinado fim, coisifica-se o homem e se viola sua dignidade. Dessa forma, tem-se que a dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência. Trata-se de atributo que todo indivíduo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição referente a nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo etc. (RAMOS, 2014).

Previsão normativa internacional e nacional

Como já se pode perceber, é simbiótica a relação entre os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana. Aliás, a utilização da dignidade da pessoa humana é valor-base para a interpretação de qualquer sistema jurídico, internacional ou nacional, que pretenda ser compatível com valores sociais, éticos e democráticos da sociedade moderna.

E a essencialidade da dignidade humana para os direitos humanos pode ser logo constatada na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH), documento internacional precursor no reconhecimento da universalidade da proteção internacional dos direitos humanos. Logo em seu preâmbulo, considera que o “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. Ainda no início do texto, no art. 1º, assevera-se que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

Os dois Pactos Internacionais de 1966 (Pacto sobre Direitos Civis e Político e Pacto sobre os Direitos Sociais, Econômicos e Culturais), também nos respectivos preâmbulos, consideram que o “relacionamento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. Além disso, reconhecem expressamente que “esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana”.

A Convenção Americana de Direitos humanos de 1969 exige que “toda pessoa tenha direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade” (art. 11, 1). O respeito devido à dignidade inerente ao ser humano também consta do art. 5º, item 2 (ao referir-se às pessoas privadas de liberdade) e do art. 6º, item 2 (ao referir-se ao trabalho forçado).

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950, em que pese não possuir tal menção à dignidade humana, já foi interpretada pela Corte Europeia de Direitos humanos no sentido de que a dignidade e a liberdade do homem são a essência da própria convenção (RAMOS, 2017). Além disso, o Protocolo nº 13 da Convenção (relacionado à abolição da pena de morte em quaisquer circunstâncias) estabelece que “o direito à vida é um valor fundamental numa sociedade democrática e que a abolição da pena de morte é essencial à proteção deste direito e ao pleno reconhecimento da dignidade inerente a todos os seres humanos”.

Por sua vez, a Carta Africana dos Direitos humanos e dos Povos de 1981 reconhece, em seu art. 5º, que “todo indivíduo tem direito ao respeito da dignidade inerente à pessoa humana e ao reconhecimento da sua personalidade jurídica”. O mesmo dispositivo prossegue afirmando que “todas as formas de exploração e de aviltamento do homem, nomeadamente a escravatura, o tráfico de pessoas, a tortura física ou moral e as penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes são proibidos”.

No ordenamento interno, a CF/1988 estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso III). Também dispõe o texto constitucional que toda ação econômica terá como finalidade assegurar a todos uma existência digna (art. 170, caput). Ademais, o planejamento familiar, que é de livre decisão do casal, também se fundamenta na dignidade humana (art. 226, § 7º), cabendo à família, à sociedade e ao Estado assegurar dignidade à criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso (arts. 227 e 230). A derradeira menção feita ao termo dignidade consta do art. 230, em que se assevera que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

Funções da dignidade da pessoa humana

Dadas a abrangência e a abertura inerentes à dignidade da pessoa humana, é possível vislumbrar múltiplas funções de sua aplicação no ordenamento jurídico. Optamos por destacar as seguintes: a) papel na hermenêutica jurídica; b) diretrizes para ponderação; c) controle de validade de atos estatais e de particulares; e d) fonte para criação de novos direitos.

a) Hermenêutica jurídica: A dignidade humana exerce relevantíssimo papel hermenêutico, pois erigida como precípuo vetor axiológico de todo o ordenamento (nacional e internacional). Quando se faz menção à função de “vetor axiológico”, quer-se dizer que todas as normas nacionais e internacionais – bem como as relações entre particulares – devem ser interpretadas e aplicadas em respeito à dignidade inerente a todas as pessoas. Sobre essa função, vale esclarecer que o Supremo Tribunal Federal (STF) já utilizou a função hermenêutica da dignidade humana em importantes casos, como no reconhecimento da união estável homoafetiva (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF nº 132, e Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI nº 4.277).

b) Diretriz de ponderação: Também tem a função de servir de diretriz para juízos de ponderações, casos em que contribuirá para a escolha da prevalência de um direito em detrimento de outro. A dignidade humana enseja a atribuição de um peso superior prima facie aos bens jurídicos mais importantes para a proteção e promoção da dignidade, e de um peso inferior aos interesses mais afastados desses valores. Vale notar que essa função busca reduzir o arbítrio do intérprete e o risco de que a ponderação se converta em instrumento de enfraquecimento de direitos e opressão de minorias (SARMENTO, 2016).

c) Controle de validade de atos estatais e de particulares: A dignidade humana se presta também ao papel de parâmetro para controle dos atos estatais – normativos, administrativos e jurisdicionais –, e mesmo de atos particulares, como os contratos e negócios em geral. Em síntese, são inválidos os atos que ofenderem a dignidade humana, sendo essa função uma eficácia negativa da dignidade.

d) Fonte para criação de novos direitos: Por fim, a função de fonte para criação de novos direitos é também denominada eficácia positiva da dignidade humana. Com isso, visa-se impedir que a pessoa humana fique desamparada diante de graves lesões e ameaças de lesões à sua dignidade em razão de lacunas e incompletudes dos ordenamentos jurídicos. No direito brasileiro, é relevante mencionar que o STF já reconheceu que o direito à busca da felicidade é um postulado constitucional implícito e decorre do princípio da dignidade da pessoa humana (RE nº 477.554/MG).