O direito à convivência familiar e comunitária encontra respaldo constitucional, previsto no art. 227 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), ao lado dos outros direitos fundamentais assegurados especialmente às crianças e adolescentes:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010.) (...). (Grifos nossos.)
Quanto a esse mesmo aspecto, elenca-se o tema no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dentro do rol de direitos que devem ser efetivados às crianças e aos adolescentes. Sua previsão específica é encontrada no Capítulo III do Título II do ECA, que trata dos direitos fundamentais, introduzido pelo art. 19:
Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016.) (...).
O fundamento para esse direito está na ideia de que crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento, sendo essencial nessa fase a obtenção de valores éticos, morais e cívicos.
Vale mencionar a alteração promovida no trecho final da Lei nº 13.257/2016, que dizia “em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes” para “em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral”. Essa mudança foi importante para retirar da norma o preconceito com dependentes de drogas, que não necessariamente são incapazes de manter uma família.
Programas de acolhimento familiar, institucional e prazos legais pertinentes
Paralelamente à guarda e à tutela, encontram-se os programas de acolhimento familiar e institucional. Esses programas são medidas de proteção aplicáveis em situações de risco, cuja função é manter temporariamente a criança e o adolescente protegidos de quaisquer perigos enquanto se busca a reestruturação da família natural.
O programa de acolhimento familiar e o programa de acolhimento institucional encontram previsão no art. 101, VII e VIII, do ECA, respectivamente:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: (...)
VII – acolhimento institucional; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009.)
VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009.) (...)
O programa de acolhimento familiar somente pode ser aplicado pelo juiz da Vara da Infância e Juventude. Seu efeito é a retirada da criança ou do adolescente de sua família, com a posterior entrega dele para uma família acolhedora, que pode ter a supervisão pedagógica e direcional de uma entidade de atendimento, responsável pela execução do programa.
Nesse programa, a criança e o adolescente não são recebidos como filhos, sendo sua permanência com a família acolhedora temporária e provisória, para que, posteriormente, superada a situação de risco, possam retornar ao seu grupo familiar de origem. Contudo, pode haver a definição da família acolhedora como guardiã do assistido, nos termos do art. 34 do ECA:
Art. 34. O poder público estimulará, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009.)
§ 1º A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos termos desta Lei.
§ 2º Na hipótese do § 1º deste artigo a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento familiar poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda, observado o disposto nos arts. 28 a 33 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009.) (Grifos nossos.)
O programa de acolhimento institucional, seguindo a mesma regra, somente poderá ser aplicado por determinação de juiz da Vara da Infância e Juventude. Seu efeito, por sua vez, é a permanência da criança ou do adolescente em uma entidade de atendimento, governamental ou não, cujo dirigente será o guardião das crianças e adolescentes que estejam sob os cuidados da instituição.
Diferentemente do programa de acolhimento familiar, é estabelecido expressamente ao acolhimento institucional um prazo máximo de 18 meses, no § 2º do art. 19 do ECA:
§ 2º A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 18 (dezoito meses), salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017.) (Grifos nossos.)
Esse prazo somente pode ser excedido se for comprovada a necessidade que atenda ao seu superior interesse. Apesar da previsão expressa não ser voltada ao programa de acolhimento familiar, entende a doutrina que, por analogia, a mesma regra se aplica (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2018). Isso se dá em razão de ambas as medidas serem transitórias e excepcionais, levando ainda em consideração os princípios da intervenção mínima e da intervenção precoce.
Outra regra voltada a ambos os programas pode ser encontrada no § 1º, art. 19 do ECA:
§ 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 3 (três) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou pela colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017.) (Grifos nossos.)
Portanto, a fim de observar o superior interesse da criança e do adolescente, deve haver uma constante reavaliação, para que a medida transitória e excepcional dure somente o necessário, sendo promovida, assim que possível, sua reintegração familiar ou colocação em família substituta.
Família
Um importante conceito a ser compreendido, quando da análise do direito à convivência familiar e comunitária, é o conceito de família. Esta é uma formação social, garantida pela Constituição, adotando-se hoje a ideia de que é um grupo de pessoas unidas pelo afeto.
Na CF/1988, é estabelecida como a base da sociedade: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Originalmente, o ECA reconhecia formalmente somente duas formas de arranjo familiar: família natural e família substituta. Contudo, na realidade eram observadas formações familiares distintas que, muitas vezes, não eram abarcadas pelas duas classificações existentes.
Em razão disso, a edição da Lei Nacional da Adoção (Lei nº 12.010/2009) acrescentou a família extensa ou ampliada, que leva em conta as possíveis variações dos membros da composição do grupo familiar. Portanto, passamos a análise das três classificações existentes de família.
Classificações de família
São adotadas no ECA três possíveis classificações de família: família natural; família extensa (ou ampliada); e família substituta. São menos excepcionais família natural e extensa, sendo a mais excepcional a substituta, havendo, portanto, a prioridade da família natural, acima das demais, e da extensa, acima da substituta. Vejamos com mais detalhes:
Família natural: Formada pelos pais ou qualquer deles, encontra sua previsão no caput do art. 25, do ECA: “Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”.
Pode essa ser biparental, quando composta por ambos os pais, ou monoparental, quando composta por apenas um dos pais. É definida como natural apenas para diferenciá-la da substituta, não havendo qualquer distinção oriunda do vínculo existente entre os pais (casados, solteiros, viúvos, separados, divorciados, união estável). Por ser “natural”, é entendida como o lugar mais adequado para a manutenção da criança e adolescente, tendo prioridade com relação às demais.
Família extensa ou ampliada: Família extensa ou ampliada, inclusa no art. 25, parágrafo único, do ECA, pela Lei nº 12.010/2009, abarca não apenas os pais, como também outros parentes próximos que convivem e mantêm vínculos de afinidade e afetividade com a criança ou adolescente. Nesse sentido, temos o texto legal:
Art. 25. (...)
Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009.) (Grifos nossos.)
Sua previsão é essencial quando não for possível a manutenção da pessoa em desenvolvimento na família natural. Nessa hipótese, deve-se priorizar a manutenção da criança e do adolescente na família extensa, sendo colocada em família substituta apenas em última hipótese.
Novas famílias: A CF/1988, além de estabelecer a família como base da sociedade e garantir sua proteção pelo Estado em seu art. 226, adotou ainda o princípio do pluralismo das entidades familiares, o que pode ser extraído da leitura de seus parágrafos.
Sendo assim, deve-se compreender que o rol constitucional é meramente exemplificativo, podendo surgir outros tipos de família não previstos. Admitem-se outras formas de organização familiar, como a família homoafetiva (decorrente da união de pessoas do mesmo sexo), família anaparental (formada sem a presença de ascendentes) e outras variantes que possam surgir.
Parto anônimo
O parto anônimo foi previsto como um direito da mãe de ter um parto sigiloso e de não assumir a maternidade da criança que gerou. Nessa hipótese, a criança é encaminhada a outra família, observado o procedimento legal.
Caso a mãe manifeste seu interesse em entregar a criança à adoção, deverá ser encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude, nos termos do art. 19-A, caput, do ECA:
Art. 19-A. A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017.)
Nessa hipótese, assegura-se à mãe, no § 9º desse artigo, o sigilo do nascimento, respeitado o direito ao conhecimento da ascendência genética por parte da criança, contudo, nos termos do art. 48 do ECA.
Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009.) (...)
Art. 19-A. (...)
§ 9º É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art. 48 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017.)
Portanto, se a mãe decidir não exercer a maternidade, haverá acompanhamento da Justiça, além de um procedimento a ser adotado para que os interesses da criança e da mãe sejam observados.
Apadrinhamento
O apadrinhamento corresponde a um programa de atendimento, não consistindo em modalidade de família substituta. Nele a criança ou adolescente criam vínculos com um padrinho, que será seu conselheiro, não se podendo confundir esse instituto com guarda, tutela ou estágio de convivência familiar preparatório para adoção. Sua definição pode ser encontrada no § 1º do art. 19-B do ECA:
§ 1º O apadrinhamento consiste em estabelecer e proporcionar à criança e ao adolescente vínculos externos à instituição para fins de convivência familiar e comunitária e colaboração com o seu desenvolvimento nos aspectos social, moral, físico, cognitivo, educacional e financeiro. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017.)
Trata-se, portanto, de programa que pode ser realizado no âmbito de entidades de atendimento governamentais ou não. Busca-se, assim, contribuir para o desenvolvimento das crianças e adolescentes. Sua previsão está no art. 19-B, §§ 5º e 6º, do ECA:
Art. 19-B. (...)
§ 5º Os programas ou serviços de apadrinhamento apoiados pela Justiça da Infância e da Juventude poderão ser executados por órgãos públicos ou por organizações da sociedade civil. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017.)
§ 6º Se ocorrer violação das regras de apadrinhamento, os responsáveis pelo programa e pelos serviços de acolhimento deverão imediatamente notificar a autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017.)
Há, portanto, acompanhamento da Justiça da Infância e da Juventude nos programas de apadrinhamento, a fim de evitar que ocorram violações de suas regras. Segundo o ECA, e de acordo com a redação dada pela Lei nº 13.509/2017, podem ser padrinhos os maiores de 18 anos não inscritos nos cadastros de adoção, devendo ainda atender aos requisitos do programa de apadrinhamento de que façam parte. Pessoas jurídicas também podem apadrinhar.
Art. 19-B.(...)
§ 2º Podem ser padrinhos ou madrinhas pessoas maiores de 18 (dezoito) anos não inscritas nos cadastros de adoção, desde que cumpram os requisitos exigidos pelo programa de apadrinhamento de que fazem parte. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017.)
§ 3º Pessoas jurídicas podem apadrinhar criança ou adolescente a fim de colaborar para o seu desenvolvimento. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017.)
Igualdade de direitos entre os filhos
Além das disposições já mencionadas feitas à família no texto Constitucional, no § 6º do art. 227 da CF/1988, é garantida, ainda, a igualdade de direitos entre os filhos. Com isso, não deve haver qualquer distinção entre os filhos oriundos do casamento ou decorrentes de qualquer outra forma de filiação ou materialização de parentesco:
Art. 227. (...)
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Portanto, filhos adotivos estarão sujeitos às mesmas garantias asseguradas aos filhos consanguíneos do mesmo núcleo familiar.