Resumo de Direito da Criança e do Adolescente - Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade

Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade

ambém assegurados no art. 227 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), os direitos à liberdade, ao respeito e à dignidade são objeto do Capítulo II, do Título II, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que passaremos a analisar de forma cuidadosa.

Direito à liberdade

O direito à liberdade está previsto no art. 16 do ECA, compreendendo importantes aspectos:

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;

II – opinião e expressão;

III – crença e culto religioso;

IV – brincar, praticar esportes e divertir-se;

V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

VI – participar da vida política, na forma da lei;

VII – buscar refúgio, auxílio e orientação.

Especificamente quanto ao direito de ir e vir, é importante a discussão a respeito do “toque de recolher”, imposto por meio de portarias judiciais de Varas da Infância e Juventude. Segundo elas, estariam as crianças e os adolescentes impedidos de transitar desacompanhados pelas ruas após determinado horário, bem como de frequentar certos lugares, como bares e restaurantes.

Em 2011, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu pela ilegalidade de uma portaria em razão de seu caráter abstrato e genérico, que extrapolaria a atividade judiciária regulamentar (HC nº 207.720/SP). No entanto, não se trata de uma questão pacífica. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), em 2010, por exemplo, entendeu que as portarias seriam legais. Isso caracterizaria atividade administrativa e jurisdicional (Ap nº 990.10.094596-3).

Em recente julgamento relacionado ao tema, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 08.08.2019 (INFO nº 946), decidiu na ADI nº 3.446/DF que são constitucionais o art. 16, I, o art. 105, o art. 122, II e III, o art. 136, I, o art. 138 e o art. 230 do ECA – dispositivos que proíbem o recolhimento compulsório de crianças e adolescentes, mesmo que estejam perambulando pelas ruas desacompanhados; bem como que tais dispositivos estão de acordo com o art. 5º, caput e incisos XXXV, LIV, LXI e com o art. 227 da CF/1988. Além disso, são compatíveis com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), a Convenção sobre os Direitos da Criança, as Regras de Pequim para a Administração da Justiça de Menores e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Bullying e cyberbullying

Conceito – aprovada em 2015, a Lei nº 13.185 que conceitua o bullying em seu art. 1º, vejamos:

Art. 1º Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território nacional.

§ 1º No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas. (Grifos nossos.)

Guilherme de Souza Nucci conceitua: advém do inglês (bully – valentão; bullying = amedrontar, aterrorizar), significa atos de agressão física e moral, com o intuito de apavorar alguém mais fraco, transformando a sua vida, em determinado ambiente, em um inferno.

Para além disso, há um rol, não taxativo, de hipóteses que podem configurar bullying na referida lei:

Art. 2º Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:

I – ataques físicos;

II – insultos pessoais;

III comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;

IV – ameaças por quaisquer meios;

V – grafites depreciativos;

VI – expressões preconceituosas;

VII – isolamento social consciente e premeditado;

VIII – pilhérias. (Grifos nossos.)

Ademais, a lei ainda conceitua o cyberbullying, como sendo o bullying praticado por meio da internet. Vejamos o parágrafo único do art. 2º:

Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.

Uma característica importante do cyberbullying é o anonimato, uma vez que perpetrada, geralmente, a distância, não havendo, ainda, possibilidade de reação imediata da vítima, em regra.

Outra questão relevante diz respeito ao número de vítimas ou espectadores desse tipo de bullying, na medida em que a propagação por meio da internet não tem fronteiras.

Retornando ao bullying em geral, não raras vezes, as vítimas têm experimentado consequências graves em seu convívio social, com frequente isolamento, prejuízo em relação às atividades de estudo, trabalho etc., havendo, inclusive, em casos extremos, suicídios.

Entre crianças e adolescentes é comum que ocorra, tanto como vítimas, quanto como agressores, atentando contra o direito à liberdade e ao respeito desses sujeitos especiais, podendo se dar meio de condutas tipificadas criminalmente, a exemplo dos crimes contra a honra.

O bullying sempre existiu, tendo sido detectado, segundo alguns doutrinadores, a exemplo de Nucci, na Noruega, tendo sido incrementado nos anos 1970, mas apenas recentemente obteve a atenção do legislador brasileiro, instituindo o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, cujos objetivos estão claramente traçados na Lei nº 13.185/2015.

Art. 1º Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território nacional.

Art. 4º Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1º:

I – prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em toda a sociedade;

II – capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema;

III – implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação;

IV – instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores;

V – dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores;

VI – integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo;

VII – promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua;

VIII – evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil;

IX – promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar.

Por fim, a mencionada lei traz interessante classificação em relação a diversos tipos de bullying:

Art. 3º A intimidação sistemática (bullying) pode ser classificada, conforme as ações praticadas, como:

I – verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;

II – moral: difamar, caluniar, disseminar rumores;

III – sexual: assediar, induzir e/ou abusar;

IV – social: ignorar, isolar e excluir;

V – psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar;

VI – físico: socar, chutar, bater;

VII – material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;

VIII – virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.

No mais, recomenda-se a leitura do inteiro teor da Lei nº 13.185/2015, porquanto se trata de diploma de pequena extensão e de relativa novidade.

Direito à participação na vida política

A participação na vida política é uma das esferas do exercício da cidadania. Portanto, deve ser assegurado, nos termos do inciso VI do art. 16 do ECA, mesmo às crianças, como um dos aspectos de sua liberdade. Aos adolescentes, esse direito deve ser ainda mais efetivo. Assim, incentiva-se, por exemplo, o voto facultativo após os 16 anos. Inclusive, quanto aos adolescentes com mais de 16 anos que estejam cumprindo medida socioeducativa de internação, deve a eles ser assegurada a possibilidade de exercício de seu direito de voto.


Direito ao respeito

O direito ao respeito encontra sua previsão no art. 17 do ECA:

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Trata-se de um direito assegurado a todos os seres humanos. Com relação às crianças e aos adolescentes, no entanto, há previsão específica, mais uma vez considerando serem pessoas em desenvolvimento, de modo que qualquer desrespeito pode ter efeitos irreversíveis nessa fase.

Em complemento a essa ideia, temos os arts. 18 e 18-B do ECA:

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014.)

I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014.)

II – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014.)

III – encaminhamento a cursos ou programas de orientação; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014.)

IV – obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014.)

V – advertência. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014.)

Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014.) (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014.)

Ponto relevante quanto ao tema tratamento cruel da criança e do adolescente, diz respeito ao fato de que não se trata daquele tratamento configurador do tipo penal da tortura, nos termos da Lei nº 9.455/1997, conduta totalmente vil e merecedora da mais rígida reprovação, especialmente se cometida em face de grupo especialmente vulnerável. O legislador não utilizou a melhor expressão ao designar tratamento cruel, porquanto o que se quer coibir com as alterações efetivadas na Lei nº 8.069/1990 pela Lei nº 13.010/2014, é uma educação sem necessidade de palmada, beliscão, tapa, puxões de orelha, humilhações etc.

Por fim, há de se ponderar situações normais de disciplina e educação, conforme leciona Guilherme de Souza Nucci em seu Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 2ª edição:

Se os pais ameaçarem o filho, de modo rigoroso, para estudar firmemente, pois, se não o fizer, deixará de fazer algo que gosta muito, não pode jamais constituir tratamento cruel ou degradante. Se os pais, numa discussão, disserem que o filho é vagabundo, pois não estuda e só gosta de se divertir, não se pode falar em humilhação, logo, tratamento cruel ou degradante. Se os pais compararem o filho a outro, afirmando que ele é menos estudioso ou inapto a desenvolver alguma tarefa não tem o condão de gerar ridicularização, consequentemente, crueldade. A partir da edição da Lei nº 10.010/2014, evitando-se injustiça nesse cenário, há de se buscar o dolo dos pais ou responsável no campo dos castigos dados aos filhos, tutelados ou pupilos, sob pena de constituir ato juridicamente irrelevante.