Além dos direitos fundamentais inerentes a todos os seres humanos, os deficientes, enquanto pessoas hipervulneráveis, dispõem de proteção especial, disposta na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
1.1. Igualdade e não discriminação
Possuem o direito à igualdade de oportunidades, sem discriminação e o reconhecimento da plena capacidade. Esse é um dos objetivos da República Federativa do Brasil, que visa a proteção do bem de todos sem qualquer forma de discriminação.
A igualdade contida no art. 5º do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) consagra o vetor, ou seja, a base de todo o tema protetivo do grupo vulnerável das pessoas com deficiência. Dentro dessa igualdade da linha de discriminação, ressalta-se no art. 6º do Estatuto o reconhecimento de que a deficiência não afeta a plena capacidade civil.
Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I – casar-se e constituir união estável;
II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Conforme os incisos II, III e IV, a capacidade civil da pessoa com deficiência não é afetada, inclusive em relação a aspectos sexuais (própria liberdade do corpo), planejamento familiar e da própria fertilidade, não sendo possível a esterilização compulsória.
No art. 4º, § 1º, do EPD, temos um conceito legal nos mesmos termos do que previa a Convenção de Nova York.
Art. 4º (...)
§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.
1.2. Direito à vida
O poder público deve garantir a dignidade da pessoa deficiente por toda sua vida. Dessa forma, dispõe o art. 11 do EPD, que:
Art. 11. A pessoa com deficiência não poderá ser obrigada a se submeter a intervenção clínica ou cirúrgica, a tratamento ou a institucionalização forçada.
Parágrafo único. O consentimento da pessoa com deficiência em situação de curatela poderá ser suprido, na forma da lei.
Ainda, na Lei nº 10.216/2001, que trata das hipóteses de internação compulsória, a regra não prevê a internação da pessoa com deficiência mental. A institucionalização é cabível em último caso, desde que exauridas todas as tentativas de tratamento extra-ambulatorial e nos casos que representam risco à própria pessoa, risco esse expressamente descrito por um médico.
O art. 12 do EPD afirma que:
Art. 12. O consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa com deficiência é indispensável para a realização de tratamento, procedimento, hospitalização e pesquisa científica.
§ 1º Em caso de pessoa com deficiência em situação de curatela, deve ser assegurada sua participação, no maior grau possível, para a obtenção de consentimento.
Verifica-se a afirmação do EPD na garantia da autonomia ao afirmar a capacidade da pessoa com deficiência. Ainda que uma pessoa relativamente incapaz seja submetida a curatela, ela participará das decisões no maior grau possível.
Art. 13. A pessoa com deficiência somente será atendida sem seu consentimento prévio, livre e esclarecido em casos de risco de morte e de emergência em saúde, resguardado seu superior interesse e adotadas as salvaguardas legais cabíveis.
1.3. Direito à saúde
É garantida a assistência integral, por meio do Sistema Único de Saúde – SUS (art. 18 do EPD).
Art. 18. É assegurada atenção integral à saúde da pessoa com deficiência em todos os níveis de complexidade, por intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário. (...)
§ 4º As ações e os serviços de saúde pública destinados à pessoa com deficiência devem assegurar:
I – diagnóstico e intervenção precoces, realizados por equipe multidisciplinar;
II – serviços de habilitação e de reabilitação sempre que necessários, para qualquer tipo de deficiência, inclusive para a manutenção da melhor condição de saúde e qualidade de vida;
III – atendimento domiciliar multidisciplinar, tratamento ambulatorial e internação;
IV – campanhas de vacinação;
V – atendimento psicológico, inclusive para seus familiares e atendentes pessoais;
VI – respeito à especificidade, à identidade de gênero e à orientação sexual da pessoa com deficiência;
VII – atenção sexual e reprodutiva, incluindo o direito à fertilização assistida;
VIII – informação adequada e acessível à pessoa com deficiência e a seus familiares sobre sua condição de saúde;
IX – serviços projetados para prevenir a ocorrência e o desenvolvimento de deficiências e agravos adicionais;
X – promoção de estratégias de capacitação permanente das equipes que atuam no SUS, em todos os níveis de atenção, no atendimento à pessoa com deficiência, bem como orientação a seus atendentes pessoais;
XI – oferta de órteses, próteses, meios auxiliares de locomoção, medicamentos, insumos e fórmulas nutricionais, conforme as normas vigentes do Ministério da Saúde.
A deficiência não altera aspectos existenciais da pessoa – o deficiente deverá receber tratamento respeitoso no que tange à especificidade, à identidade de gênero e à orientação sexual, entre outras questões.
Atendimento domiciliar: o atendimento à pessoa com deficiência se dará preferencialmente de forma domiciliar. Observe:
Art. 21. Quando esgotados os meios de atenção à saúde da pessoa com deficiência no local de residência, será prestado atendimento fora de domicílio, para fins de diagnóstico e de tratamento, garantidos o transporte e a acomodação da pessoa com deficiência e de seu acompanhante.
Direito ao acompanhante: a pessoa com deficiência terá direito a um acompanhante em caso de internamento.
Art. 22. À pessoa com deficiência internada ou em observação é assegurado o direito a acompanhante ou a atendente pessoal, devendo o órgão ou a instituição de saúde proporcionar condições adequadas para sua permanência em tempo integral.
É vedada qualquer cobrança diferenciada por planos e seguros de saúde, conforme previsão no art. 23 do EPD.
Art. 23. São vedadas todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência, inclusive por meio de cobrança de valores diferenciados por planos e seguros privados de saúde, em razão de sua condição.
1.4. Direito à educação
Esse direito compete tanto às pessoas com deficiência, quanto às demais. Como exemplo de direito à educação, há a educação inclusiva, que consiste em direito previsto constitucionalmente tanto para as instituições públicas ou privadas.
EPD, art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.
Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.
Nessa seara, poderá ocorrer eventual necessidade de um acompanhante, um orientador ou de outros custos que poderão surgir tanto nas escolas públicas quanto nas escolas privadas. Assim, as instituições privadas não podem cobrar valores adicionais, conforme previsão no art. 28, § 1º, do EPD, e de acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) (Violação do direito a pluralidade) na ADI nº 5.357/DF.
Art. 28. (...)
§ 1º Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações. (Grifos nossos.)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI 13.146/2015. EPD. ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.146/2015 (arts. 28, § 1º e 30, caput, da Lei nº 13.146/2015). (...) 7. A Lei nº 13.146/2015 indica assumir o compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV (STF, ADI nº 5.357 MC-Ref/DF, julgada em 09.06.2016, publicada em 11.11.2016).
Verifica-se, portanto, que as instituições privadas não podem cobrar valores adicionais em virtude de pessoas com deficiência. Essa vedação consta expressamente no art. 28, § 1º, do Estatuto.
1.5. Direito à moradia
Esse direito versa quanto à moradia digna e residência inclusiva (assegurada a acessibilidade), inclusive nos programas habitacionais:
Art. 32. Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, a pessoa com deficiência ou o seu responsável goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria, observado o seguinte:
I – reserva de, no mínimo, 3% (três por cento) das unidades habitacionais para pessoa com deficiência;
II – (VETADO);
III – em caso de edificação multifamiliar, garantia de acessibilidade nas áreas de uso comum e nas unidades habitacionais no piso térreo e de acessibilidade ou de adaptação razoável nos demais pisos;
IV – disponibilização de equipamentos urbanos comunitários acessíveis;
V – elaboração de especificações técnicas no projeto que permitam a instalação de elevadores.
1.6. Direito à assistência social
Trata-se de tema consolidado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Constitui o benefício de prestação continuada (BPC):
Art. 40. É assegurado à pessoa com deficiência que não possua meios para prover sua subsistência nem de tê-la provida por sua família o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.
STJ (Tema 640) – Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 (STJ, AgRg no AREsp. nº 319.889/PR).
Recentemente, em decorrência do estado de calamidade pública declarado pelo Decreto Legislativo nº 06, de 20.03.2020, a Lei nº 13.982/2020, com vigência a partir de 02.04.2020, promoveu alterações na Lei nº 8.742/1993 (LOAS), mantendo, regra geral, o critério de ¼ do salário mínimo como renda per capita, até 31.12.2020, mas flexibilizou esse critério, podendo haver a concessão do benefício a pessoas deficientes ou idosas com renda familiar per capita de até ½ salário mínimo, a depender de uma conjugação de fatores explícitos nos parágrafos do art. 20-A.
Art. 20-A. Em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário mínimo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
§ 1º A ampliação de que trata o caput ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento, de acordo com os seguintes fatores, combinados entre si ou isoladamente: (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
I − o grau da deficiência; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)P
II − a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
III − as circunstâncias pessoais e ambientais e os fatores socioeconômicos e familiares que podem reduzir a funcionalidade e a plena participação social da pessoa com deficiência candidata ou do idoso; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
IV − o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 exclusivamente com gastos com tratamentos de saúde, médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou com serviços não prestados pelo Serviço Único de Assistência Social (Suas), desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
§ 2º O grau da deficiência e o nível de perda de autonomia, representado pela dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária, de que tratam, respectivamente, os incisos I e II do § 1º deste artigo, serão aferidos, para a pessoa com deficiência, por meio de índices e instrumentos de avaliação funcional a serem desenvolvidos e adaptados para a realidade brasileira, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
§ 3º As circunstâncias pessoais e ambientais e os fatores socioeconômicos de que trata o inciso III do § 1º deste artigo levarão em consideração, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 2015, entre outros aspectos: (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
I − o grau de instrução e o nível educacional e cultural do candidato ao benefício; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
II − a acessibilidade e a adequação do local de residência à limitação funcional, as condições de moradia e habitabilidade, o saneamento básico e o entorno familiar e domiciliar; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
III − a existência e a disponibilidade de transporte público e de serviços públicos de saúde e de assistência social no local de residência do candidato ao benefício; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
IV − a dependência do candidato ao benefício em relação ao uso de tecnologias assistivas; e (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
V − o número de pessoas que convivem com o candidato ao benefício e a coabitação com outro idoso ou pessoa com deficiência dependente de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos com tratamentos de saúde, médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência, de que trata o inciso IV do § 1º deste artigo, será definido pelo Instituto Nacional do Seguro Social, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, conforme critérios definidos em regulamento, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, nos termos do referido regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020.)
A rigor, em que pese a normativa acima colacionada dependa ainda de normatização infralegal, certo é que estabelece uma flexibilização ex lege do critério de 1/4 do salário mínimo, corroborando o entendimento há muito já existente junto às Cortes Superiores, especialmente o decidido pelo STF na ADI nº 1.232-1 e no RE nº 567.985/MT.
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. (...) 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/1997, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento (STF, Plenário, RE nº 567.985, rel. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18.04.2013).
Colhem-se os seguintes fundamentos do voto prevalente no mesmo julgado:
Então, aqui o legislador abriu uma exceção para dois benefícios recebidos pelo casal em relação à LOAS. Qual é a argumentação trazida da tribuna? Bom, isto vale para benefício da LOAS, mas, se for qualquer outro benefício previdenciário, não, ou, se for um benefício, por exemplo, de idoso e deficiente, também não. Veja, aqui o legislador incorreu em grave equívoco: ou é possível, quer dizer, em situação absolutamente idêntica, fazer a exclusão, pouco importa a origem do benefício, se nós estivermos nesse plano de salário mínimo, ou nós vamos, realmente, para uma situação insustentável, conferindo ao legislador não um poder discricionário, mas um arbítrio, porque, vejam, em situações, do ponto de vista numérico, absolutamente idênticas, nós vamos chegar a resultado díspar. Por isso, Presidente, fazendo um rápido resumo, eu chego à conclusão também consistente do voto do Ministro Marco Aurélio, mas eu estou afirmando que houve um processo de inconstitucionalização que se deflagrou, um processo de inconstitucionalização do parágrafo 3º, e cito, então, todas essas bolsas com base num quarto do salário mínimo: A criação do Bolsa Família, outros programas de ações de transferência da renda do governo foram unificados, Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à educação, Bolsa Escola, Programa Nacional de Acesso a Alimentação, Programa Nacional de Renda Mínima, todos esses agora com o critério de meio salário mínimo. Porque também eu entendo, louvo a solução do Ministro Marco Aurélio, mas eu gostaria de opor um reparo: é que a solução de Sua Excelência devolve ao juiz a adoção de critérios, e, obviamente, retira aquilo que da tribuna se aponta, retira a possibilidade de que o legislador fixe um critério, quer dizer, estabelecendo um mínimo de segurança jurídica (grifos nossos).
Para além disso, o STF, no julgamento do RE nº 580.963, também submetido ao regime de Repercussão Geral, declarou a inconstitucionalidade do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, que assim dispõe:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social − LOAS.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Veja-se a ementa:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. (...) 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento (STF, Plenário, RE nº 580.963, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 18.04.2013 – grifos nossos).
1.7. Direito ao transporte e mobilidade urbana
Em relação à reserva de vagas em estacionamentos, observe que se aplica a praticamente todos os tipos, exceto aquele privado não acessível ao público. Ainda, deve haver reserva de 2% do total, sempre garantida a deficientes pelo menos uma vaga.
Art. 47. Em todas as áreas de estacionamento aberto ao público, de uso público ou privado de uso coletivo e em vias públicas, devem ser reservadas vagas próximas aos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade, desde que devidamente identificados.
§ 1º As vagas a que se refere o caput deste artigo devem equivaler a 2% (dois por cento) do total, garantida, no mínimo, 1 (uma) vaga devidamente sinalizada e com as especificações de desenho e traçado de acordo com as normas técnicas vigentes de acessibilidade. (Grifos nossos.)
Já quanto aos veículos de transporte coletivo, deverá estar garantida a acessibilidade, o embarque prioritário e as devidas certificações a serem realizados a todos, não apenas às pessoas deficientes, nos termos delineados no art. 48.
Art. 48. Os veículos de transporte coletivo terrestre, aquaviário e aéreo, as instalações, as estações, os portos e os terminais em operação no País devem ser acessíveis, de forma a garantir o seu uso por todas as pessoas.
Quanto às frotas de táxi, dispõe o art. 51 do Estatuto a obrigatoriedade de reserva de 10% para acessibilidade.
Art. 51. As frotas de empresas de táxi devem reservar 10% (dez por cento) de seus veículos acessíveis à pessoa com deficiência.
Por fim, as locadoras de veículos estarão obrigadas a oferecer um veículo adaptado a cada vinte veículos de sua frota.
Art. 52. As locadoras de veículos são obrigadas a oferecer 1 (um) veículo adaptado para uso de pessoa com deficiência, a cada conjunto de 20 (vinte) veículos de sua frota.
1.8. Acessibilidade
Trata-se de instrumento que visa garantir acesso adequado aos direitos das pessoas com deficiência em igualdade de condições com as demais pessoas, traduzindo-se, portanto, em um direito fundamental.
Fundamentos – Constituição Federal (CF/1988), art. 227, § 1º, inciso II; Convención sobre Derechos de las Personas con Discapacidad (CDPCD), art. 9, § 1º; EPD, art. 53; Lei nº 10.048/2000; Lei nº 10.098/2000; e Decreto nº 5.296/2004.
Definição no Estatuto:
Art. 3º (...)
I – acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida; (...)
Dever de cumprir as regras de acessibilidade:
Estatuto, art. 54. São sujeitas ao cumprimento das disposições desta Lei e de outras normas relativas à acessibilidade, sempre que houver interação com a matéria nela regulada:
I – a aprovação de projeto arquitetônico e urbanístico ou de comunicação e informação, a fabricação de veículos de transporte coletivo, a prestação do respectivo serviço e a execução de qualquer tipo de obra, quando tenham destinação pública ou coletiva;
II – a outorga ou a renovação de concessão, permissão, autorização ou habilitação de qualquer natureza;
III – a aprovação de financiamento de projeto com utilização de recursos públicos, por meio de renúncia ou de incentivo fiscal, contrato, convênio ou instrumento congênere;
IV – a concessão de aval da União para obtenção de empréstimo e de financiamento internacionais por entes públicos ou privados.
Desenho universal e adaptação razoável – Em regra, os empreendimentos devem conter desenho universal, ou seja, apenas nas hipóteses em que não for possível o seu cumprimento, poderá se admitir uma adaptação razoável.
Art. 55. A concepção e a implantação de projetos que tratem do meio físico, de transporte, de informação e comunicação, inclusive de sistemas e tecnologias da informação e comunicação, e de outros serviços, equipamentos e instalações abertos ao público, de uso público ou privado de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, devem atender aos princípios do desenho universal, tendo como referência as normas de acessibilidade.
§ 1º O desenho universal será sempre tomado como regra de caráter geral.
§ 2º Nas hipóteses em que comprovadamente o desenho universal não possa ser empreendido, deve ser adotada adaptação razoável.
1.9. Dos crimes
A fim de resguardar os direitos fundamentais desse grupo intensamente vulnerável, o legislador se socorre da ultima ratio, o direito penal cuja finalidade é a proteção dos bens jurídicos mais caros a uma sociedade, segundo ensina Claus Roxin ao defender o funcionalismo teleológico.
Assim, o estatuto traz alguns tipos penais tendentes à proteção em face da discriminação, apropriação e consequente privação material, além da retenção, apropriação de proventos e benefícios destinados às pessoas deficientes.
Vejamo-los:
Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (...)
Art. 89. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (...)
Art. 90. Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de abrigamento ou congêneres:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa. (...)
Art. 91. Reter ou utilizar cartão magnético, qualquer meio eletrônico ou documento de pessoa com deficiência destinados ao recebimento de benefícios, proventos, pensões ou remuneração ou à realização de operações financeiras, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. (...)