Proteção integral e prioritária, prevenção e recuperação, além de todos os direitos inerentes à pessoa humana (art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), é o que prevê a doutrina da proteção integral.
Diferente da doutrina da situação irregular, na doutrina da proteção integral, o foco é a criança de uma forma completa, abrangência plena, não discriminatória, alcançando todas as crianças e adolescentes, não somente aqueles em patologia.
a) Abrangência plena e não discriminatória – Universalização dos direitos (inclusive à coletividade). É vedada qualquer discriminação (parágrafo único do art. 3º do ECA). Ocorre o abandono da palavra “menor” (portanto, não a usar na prova), como define a Súmula do II Congresso Nacional de Defensores Públicos da Infância e Juventude: “A legislação civilista vigente reconhece a superação da terminologia menor em favor do vocábulo criança e adolescente”.
b) Garantidora de direitos – Direitos fundamentais (convivência familiar e comunitária). Garantismo penal (direito de liberdade). Devido processo legal. Privação da liberdade é exceção. Serão trazidas as concepções do garantismo penal para o ato infracional, tais como a tipicidade, anterioridade, defesa técnica, devido processo legal. Era comum crianças serem internadas sem defesa técnica, em razão de que o juiz era o tutor e tomava essas decisões de forma unilateral.
c) Caráter – Política pública com fundamento no direito subjetivo das crianças e adolescentes.
d) Poder decisório – Conjunto articulado de pessoas e instituições (Conselho Municipal, Conselho Tutelar, Ministério Público etc.). A criança é responsabilidade de todos. É um direito metaindividual e é possível ser acionado em ação civil pública, visto que ele atinge não somente um indivíduo, mas a sociedade. O art. 70 do ECA fala que é dever de todos, da família, da comunidade, da sociedade. Por esse motivo, há um Conselho Tutelar, que representa a comunidade na proteção desses direitos.
e) Competência executória – Municipalização do atendimento. A gestão das políticas públicas sai da União e passa a ser municipalizada, visto que é no município que há o contato direto com o cidadão. Logo, é ali que serão efetivados os serviços públicos.
f) Gestão – Cogestão com a sociedade civil, rede, democrática. Deixa de ser um poder eminentemente concentrado na figura de um juiz, para ser um trabalho em rede, uma justiça participativa, uma gestão democrática, com a atuação de Conselho Nacional, Estadual e Municipal de crianças e adolescentes, que trabalharão com uma rede integral de atendimento. Esse poder decisório sai da figura do juiz e passa a ser compartilhado. O estabelecimento de ensino tem obrigação de comunicar ao juiz casos de maus-tratos e ao Conselho Tutelar sobre a ausência de frequência escolar. Todo mundo está preocupado e atua em rede, com centros de proteção à saúde mental e à saúde da pessoa em situação de risco. A comunidade trabalhará esses vínculos de convivência comunitária e familiar.
Em suma, a proteção integral corresponde a um conjunto de mecanismos jurídicos voltados à tutela da criança e do adolescente. Trata-se de um norte para interpretar o próprio ECA, de maneira a sempre se ter atenção para os fins sociais a que se propõe, observando que crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento, que devem receber, portanto, tratamento especial.
Tal princípio advém de uma doutrina expressamente adotada pelo ECA em seu art. 1º: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”.
Ademais, a proteção à criança em sentido amplo está também prevista como um direito social no art. 6º da Constituição Federal de 1988 (CF/1988).
2.1. Proteção integral e os sistemas de garantias
Conforme dito anteriormente, o ECA baseia-se na doutrina da proteção integral, e nesse sentido possui alguns pilares de sustentação:
I) A criança como sujeito de direitos.
II) Prioridade absoluta na prevenção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.
III) Princípio do superior interesse da criança e do adolescente.
IV) Análise da criança como condição peculiar para o seu desenvolvimento.
V) Municipalização do atendimento.
O ECA é dividido em três sistemas de garantias, 1º, 2º e 3º, os quais são automaticamente acionados quando o anterior (ou os anteriores) não funciona(m).
Veja:
1º Sistema de Garantia – Sistema amplo (metaindividual) para toda e qualquer criança (e não apenas as que estão em situação de risco).
Por exemplo, a separação do conteúdo pornográfico numa banca de revista atende a toda e qualquer criança; o Ministério Público (MP) pode titularizar a ação de alimentos, independentemente de a família estar em situação de risco; o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu pela titularidade do MP para propor ação civil pública coletiva na hipótese de abusividade na publicidade infantil, sobretudo em relação aos alimentos, com vistas a evitar a obesidade infantil.
Recentemente, passou na TV, cenas de uma procuradora que torturava uma criança que vivia sob a sua tutela. As cenas de tortura veiculadas nos meios de comunicação violavam direitos das crianças no contexto geral, como a imagem e o desenvolvimento.
O STJ, no Informativo nº 511, disse que o MP é legitimado ativo para ingressar com ação civil pública no sentido de impedir que essas cenas sejam transmitidas.
2º Sistema de Garantia – Para crianças em situação de risco (art. 98 do ECA).
São medidas de proteção voltadas para aqueles que têm os seus direitos violados por omissão ou ação de sua família (por exemplo, acolhimento), ou por omissão ou ação do Estado (por exemplo, matrícula escolar), ou na hipótese de a criança se colocar em situação de risco (por exemplo, tratamento contra o uso de drogas).
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III – em razão de sua conduta.
3º Sistema de Garantia – Para crianças que, além do risco próprio, passam a colocar a sociedade em risco. É o sistema dos atos infracionais e das medidas socioeducativas para adolescentes que violem a Lei Penal (Direito Penal Juvenil).
2.2. Princípio da prioridade absoluta
A prioridade absoluta corresponde ao dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Estado de dar prioridade absoluta ao atendimento de direitos de crianças e adolescentes. Assim, é assegurada às crianças e aos adolescentes, nos termos do art. 4º do ECA, a:
a) Primazia de recebimento de proteção e socorro em quaisquer circunstâncias.
b) Precedência de atendimento em serviços públicos ou de relevância pública.
c) Preferência na formulação e execução de políticas sociais públicas.
d) Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.