Resumo de Direito do Consumidor - Consumidor

Elementos da Relação Jurídica de Consumo

Os sujeitos da relação de consumo são o fornecedor e o consumidor.

No que toca à análise do consumidor, o CDC, em seu art. 2º, caput, define-o como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” 

É importante ressaltar, ainda, que o CDC traz definições de figuras equiparadas ao consumidor ao longo de seu texto, como no parágrafo único do art. 2º, que dispõe: “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” ; no art. 17, ao asseverar que “equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento” (grifo nosso); e no art. 29, ao prescrever que “equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas” 

Sendo assim, sistematizando os dispositivos, podemos apontar as seguintes definições de consumidor:

a) Consumidor standard ou stricto sensu: é a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço, como destinatário final (art. 2º, caput).

b) Consumidor equiparado em sentido coletivo: é a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo na relação de consumo (art. 2º, parágrafo único).

c) Consumidor equiparado bystander: aquele que é vítima de acidente de consumo (art. 17).

d) Consumidor equiparado potencial: é a pessoa, determinável ou não, exposta às práticas comerciais (art. 29).


Teorias sobre o “destinatário final”

Da análise do conceito de consumidor em sentido estrito (art. 2º, caput, do CDC), depreendeu-se que será consumidor aquele que adquirir um produto ou serviço como destinatário final.

E aqui reside relevantíssima questão no direito do consumidor, consistente na interpretação e extensão da expressão “destinatário final”.

Deveras, o elemento finalístico para se avaliar a existência da relação de consumo reside na interpretação da expressão “destinatário final”, constante do caput do art. 2º do CDC: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Contudo, não há uniformidade sobre a correta interpretação da expressão “destinatário final”, sendo objeto de grande divergência a possibilidade, ou não, de o consumidor poder reinserir o produto no mercado de consumo.

Surgiram, então, algumas teorias que buscam aferir a extensão do conceito de destinatário final para definir o consumidor. São elas:

a) Teoria maximalista (objetiva): destinatário final é o destinatário fático do produto ou serviço, isto é, basta a retirada do produto do mercado de consumo, pouco importando sua posterior destinação ou utilização econômica. O simples ato da compra, pela corrente maximalista, torna a pessoa uma consumidora.

Vale notar que a definição maximalista do destinatário final é puramente objetiva, pois somente exige a retirada do bem de consumo da cadeia de produção para que se identifique o consumidor, pouco importando se esse produto ou serviço será eventualmente revendido ou empregado em atividade empresarial.

A crítica apontada pela doutrina em relação à teoria em análise é que, ao se interpretar extensivamente o conceito de consumidor, amplia-se demasiadamente o campo de aplicação das normas protetivas previstas no código, o que pode produzir desigualdades.

b) Teoria finalista (subjetiva): destinatário final é o destinatário fático e econômico do produto ou serviço, ou seja, aquele que retira o objeto do mercado para uso próprio ou de sua família, não o reinserindo no mercado de consumo.

A figura do consumidor, para a corrente finalista, vai se ater à regra de ausência de revenda, o produto encerra naquela pessoa a sua cadeia lucrativa. Quando o produto saiu do fabricante e foi vendido ao comerciante, o fabricante lucrou; quando o comerciante vendou ao consumidor, o comerciante lucrou, mas o consumidor apenas gastou. Consumidor é aquele que compra para uso próprio, seja pessoa física ou jurídica.

A teoria propõe uma interpretação restritiva do destinatário final, entendendo ser consumidor somente aquele que adquire ou utiliza o produto ou serviço para uso próprio ou de sua família (destinatário final fático) e sem utilizá-lo para incremento da sua atividade econômica, de forma a colocar fim na cadeia de produção (destinatário final econômico).

A corrente finalista é a preponderante.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui precedentes em que se adota a teoria finalista para caracterização do consumidor, aduzindo que “para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto ou serviço adquirido ou utilizado não pode guardar qualquer conexão, direta ou indireta, com a atividade econômica por ele desenvolvida” (STJ, CC nº 92.519/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 16.02.2009, DJe 04.03.2009).

Contudo, a jurisprudência atual do STJ acabou por mitigar os rigores da teoria finalista.

Ademais, a crítica feita pela doutrina à teoria finalista pura é que em determinados casos concretos ela pode gerar desequilíbrios injustificados e desigualdades, pois é possível que determinado consumidor vulnerável adquira um produto ou serviço e o utilize em sua pequena atividade empresarial – hipótese que não contaria com a proteção das normas consumeristas.

c) Teoria finalista aprofundada ou mitigada: o destinatário final é o destinatário fático e econômico do produto ou serviço; contudo, em caráter excepcional, permite-se que o destinatário final do objeto reinsira o produto ou serviço no mercado de consumo ou o utilize em atividade negocial, desde que demonstrada a vulnerabilidade (técnica, jurídica ou econômica) do consumidor no caso concreto.

Vale dizer, não se deixa de questionar o uso, profissional ou não, do bem ou serviço (finalismo); porém, em caráter de exceção e mediante vulnerabilidade concreta do adquirente ou utente, passa-se a considerá-lo consumidor, não obstante seja um profissional.

Essa teoria retrata a jurisprudência atual do STJ, que inclusive já permitiu a incidência do CDC sobre contrato de financiamento celebrado entre a instituição financeira e um taxista, para aquisição do seu veículo de trabalho (REsp. nº 231.208/PE).

Em outro relevante precedente, o STJ também concluiu pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor em caso de adquirente de caminhão zero quilômetro que o utilizava para realizar fretes, tendo mencionado que:

Excepcionalmente, o profissional freteiro, adquirente de caminhão zero quilômetro, que assevera conter defeito, também poderá ser considerado consumidor, quando a vulnerabilidade estiver caracterizada por alguma hipossuficiência quer fática, técnica ou econômica. Nesta hipótese está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor (STJ, REsp. nº 1.080.719/MG, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10.02.2009, DJe 18.08.2009).

De mais a mais, o STJ também esposou essa teoria em outros precedentes, valendo-se citar os seguintes: AgRg no AREsp. nº 601.234/DF; AgRg no AREsp. nº 415.244/SC e REsp. nº 567.192/SP.

A jurisprudência do STJ é majoritária no sentido de que a vulnerabilidade do consumidor deve ser econômica para se admitir a teoria finalista mitigada.

Porém, há julgados em menor quantidade em que se admite a aplicação de outras espécies de vulnerabilidade para se reconhecer a condição de consumidor do adquirente do produto ou serviço.

Nesse sentido, em relação às hipóteses de vulnerabilidade, insta salientar que a vulnerabilidade pode ser técnica, jurídica, fática, informacional e de outra natureza a depender da análise do caso concreto, admitindo-se, até mesmo, a vulnerabilidade de uma das partes em relação interempresarial, o que permitiria a incidência do CDC em uma relação entre empresários (STJ, REsp. nº 1.195.642/RJ).

Dessa forma, o consumidor intermediário, desde que provada sua vulnerabilidade, poderá gozar da incidência das normas protetivas do CDC. E assim já se posicionou o STJ, ao decidir que “o consumidor intermediário, ou seja, aquele que adquiriu o produto ou o serviço para o utilizar em sua atividade empresarial, poderá ser beneficiado com a aplicação do Código de Defesa do Consumidor quando demonstrada sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica frente à outra parte” (STJ, AgRg no Ag. nº 1.316.667/RO, 3ª Turma, rel. Min. Vasco Giustina, julgado em 15.02.2011, DJe 11.03.2011).

Por fim, cabe salientar que, embora o Código de Defesa do Consumidor enumere expressamente que pessoas físicas e jurídicas podem ser consideradas consumidoras, há uma diferença entre eles quanto à vulnerabilidade.

Com efeito, parte da doutrina entende que, quando se trata de pessoa física consumidora, a vulnerabilidade se presume, enquanto, em se tratando de pessoa jurídica, essa vulnerabilidade deve ser comprovada.


Conceitos de consumidor por equiparação

Como vimos, o CDC trouxe um conceito standard de consumidor no caput do art. 2º e outros três conceitos de consumidor por equiparação, descritos nos arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29. Vejamos, doravante, as principais informações sobre cada um desses conceitos.


Consumidor em sentido coletivo

Dispõe o já mencionado parágrafo único do art. 2º do CDC que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” (grifos nossos).

Trata-se da figura do consumidor em sentido coletivo, cuja finalidade é viabilizar a tutela coletiva dos interesses dos consumidores, determináveis ou não, sem que se exija a prática de um ato de consumo propriamente dito.

Nesse caso, a relação jurídica base que vincula fornecedor e consumidor equiparado não é oriunda de um ato de consumo, mas decorre tão somente da mera intervenção na relação de consumo e exposição aos efeitos da ação dos fornecedores. Exemplificando: se um sujeito compra um colírio lubrificante que é usado por vários membros de sua família, sendo que aqueles que o utilizaram tiveram grave inflamação nos olhos, todos que o usaram são consumidores, ainda que não tenham firmado contrato de consumo.

Para a incidência do art. 2º, parágrafo único, do CDC, basta a participação potencial da coletividade de pessoas na relação de consumo para caracterizar essa figura de consumidor por equiparação.

O art. 2º, parágrafo único, do CDC é o fundamento legal em torno do qual gira o sistema de proteção coletiva do consumidor por meio das ações coletivas de tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.


Consumidor bystander

O conceito de consumidor bystander é previsto no art. 17 do CDC, ao dispor que “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”, sendo que a seção em questão trata da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço (acidente de consumo).

A finalidade da previsão normativa em análise é estender o alcance das normas protetivas do CDC para toda e qualquer vítima de acidente de consumo, uma vez que basta ser vítima de um acidente de consumo para ser equiparado a consumidor.

Por exemplo, se uma pessoa que está caminhando na rua é atingida por destroços de uma aeronave que transportava passageiros e que veio a colidir ao solo, será também equiparada ao consumidor e gozará da incidência das normas consumeristas, mesmo sem ter participado de relação de consumo com a empresa aérea.

Nesse esteio, já decidiu o STJ que “resta caracterizada relação de consumo se a aeronave que caiu sobre a casa das vítimas realizava serviço de transporte de malotes para um destinatário final, ainda que pessoa jurídica (...)” (STJ, REsp. nº 540.235/TO, 3ª Turma, rel. Min. Castro Filho, julgado em 07.02.2006, DJe 06.03.2006).

Em suma, em consonância com o que dispõe o art. 17 do CDC, “equiparam-se aos consumidores todas as pessoas que, embora não tendo participado diretamente da relação de consumo, vêm a sofrer as consequências do evento danoso, dada a potencial gravidade que pode atingir o fato do produto ou do serviço, na modalidade vício de qualidade por insegurança” (STJ, REsp. nº 181.580/SP, 3ª Turma, rel. Min. Castro Filho, julgado em 09.12.2003, DJe 22.03.2004).

Se, na relação com o consumidor stantard, a responsabilidade do fornecedor é contratual, na relação com o consumidor bystander, a responsabilidade do fornecedor é extracontratual.


Consumidor potencial

A derradeira previsão de equiparação ao consumidor é prevista no Art. 29 do Código de Defesa do Consumidor: “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas” 

Trata-se da figura do consumidor potencial (ou virtual), cuja finalidade é ampliar o campo de proteção para alcançar indivíduos que, embora não tenham praticado concretamente um ato de consumo, estejam expostos às práticas comerciais e contratuais irregulares e abusivas.

São pessoas sujeitas à oferta, pessoas que se configuram como alvo de uma campanha de marketing, de publicidade, que se entendem por consumidor potencial.

Dessa forma, se a pessoa é exposta a uma oferta na televisão de que um produto que custa R$ 3.000,00, naquele fim de semana, vai custar R$ 1.500,00, essa pessoa já é considerada consumidora em potencial, pois esse anúncio vincula o fornecedor.

Vale ressaltar, ainda, que a aplicação da presente norma extensiva deve ser feita em consonância com o princípio da vulnerabilidade, pois só se legitima a equiparação a consumidor quando estiver presente, no caso concreto, a vulnerabilidade da pessoa física ou jurídica exposta às práticas comerciais ou contratuais.

Nesse sentido, o STJ já afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a contrato de franquia, sob o argumento de que a empresa franqueada, embora exposta a uma prática contratual (contrato de adesão), não era vulnerável em relação à empresa franqueadora, de modo a impedir a equiparação prevista no art. 29 do Código de Defesa do Consumidor (STJ, REsp. nº 687.322/RJ e REsp. nº 930.875/MT).

De igual sorte, também afastou a atividade de factoring do alcance do CDC, por não ter evidenciado situação de vulnerabilidade da pessoa jurídica contratante (STJ, REsp. nº 938.979/DF).