Resumo de Direitos Humanos - Estatuto de Roma sobre Tribunal Penal Internacional

Estatuto de Roma e o Tribunal Penal Internacional

O Estatuto de Roma sobre Tribunal Penal Internacional (TPI) foi promulgado pelo Decreto nº 4.388/2002. Trata-se do documento internacional que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), consolidando-o como uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, conforme o presente Estatuto, complementar às jurisdições penais nacionais.

O Tribunal Penal Internacional é um tribunal criminal instituído pela comunidade internacional para julgar pessoas acusadas de praticar crimes graves em detrimento dos direitos humanos. Encontra-se sediado em Haia, na Holanda (BARRETO, 2017).

Dispõe o art. 1º do Estatuto que

o Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto. (Grifos nossos.)


Precedentes históricos

Como tentativas de instituir tribunais penais internacionais podemos citar:

a) Tratado de Versalhes (tentativa de criar tribunal para julgar um kaiser, mas nunca foi instituído).

b) Tribunal de Nuremberg (instituído depois da Segunda Guerra Mundial): julgar pessoas vinculadas ao regime nazista alemão.

c) Tribunal Militar Internacional de Tóquio (instituído depois da Segunda Guerra Mundial): julgar pessoas vinculadas ao Japão que praticaram crimes de guerra contra a humanidade.

d) Tribunal para a ex-Iugoslávia (instituído pelo Conselho de Segurança da ONU).

e) Tribunal para Ruanda (instituído pelo Conselho de Segurança da ONU).

Esses tribunais precedentes do TPI tiveram pontos positivos e negativos.

Positivos: a) acabaram com a impunidade de graves crimes contra direitos humanos; b) consolidaram a responsabilidade individual no âmbito internacional, relativizando a centralidade do Estado.

Negativos: a) esses tribunais foram criados por vencedores para julgar os vencidos (exemplo, os crimes mais graves na Segunda Guerra foram praticados pelos alemães, mas os EUA também praticaram graves crimes de guerra, como as bombas atômicas que atingiram alvos civis), o que afeta a própria imparcialidade dos tribunais; b) foram tribunais criados ex post facto (criados depois dos fatos que seriam julgados).

Essas críticas levaram à discussão sobre a necessidade de um tribunal permanente, que julgasse fatos ocorridos depois da sua criação. Assim, o Tribunal Penal Internacional foi criado pelo Estatuto de Roma; aprovado em 1998; entrou em vigor em 2002; foi incorporado pelo Brasil em 2002; e conta atualmente com 124 assinaturas (os EUA, por exemplo, não assinam).


Características

Personalidade jurídica de Direito Internacional (art. 4º): o art. 4º do Estatuto de Roma declara expressamente que o TPI tem aptidão para titularizar obrigações e deveres no âmbito internacional.

Independência (art. 16): o TPI não é um organismo especializado da ONU, embora tenha uma relação especial com ela. É um tribunal independente, tanto que as decisões relacionadas a ele são tomadas pela Assembleia Geral dos Estados-Partes do Estatuto de Roma, e não pela Assembleia Geral da ONU. O art. 16 do Estatuto de Roma, contudo, fala que o Conselho de Segurança pode determinar a suspensão de um processo no âmbito do TPI.

Permanência (art. 1º): é um tribunal permanente. Existiam muitas críticas sobre o fato de os tribunais precedentes serem ad hoc, ex post facto.

Subsidiário (arts. 1º e 17): o TPI somente atua em caso de omissão dos tribunais internos. Se o tribunal interno já tiver julgado, o TPI não poderá julgar, a menos que fique constatado que o julgamento interno tenha sido apenas um simulacro. Por exemplo: pode acontecer de um ditador que corre risco de ser julgado pelo TPI usar sua influência para que suas autoridades judiciais façam um julgamento simulado, a fim de que fique livre da jurisdição do TPI. Se o TPI constatar essa situação, poderá julgá-la.

O TPI não é um órgão da ONU. Trata-se, na verdade, de um tribunal independente e com personalidade jurídica internacional própria. Desse modo, tem capacidade jurídica necessária ao desempenho de suas funções e à persecução de seus objetivos. Outrossim, “a relação entre o Tribunal e as Nações Unidas será estabelecida através de um acordo a ser aprovado pela Assembleia dos Estados Partes no presente Estatuto e, em seguida, concluído pelo Presidente do Tribunal em nome deste” (art. 2º).


Composição

O TPI é formado por 18 juízes (art. 36).

Requisitos: notório conhecimento, preencher requisitos necessários para ocupar os cargos das mais altas cortes judiciais do seu país (hoje, há uma juíza brasileira no TPI, Sylvia Steiner).

Órgãos:

  • presidência;
  • seções judiciais;
  • gabinete do procurador; e
  • secretaria (art. 34).


Competência

1) Material ou ratione materiae (art. 5º) – O TPI tem competência para julgar os seguintes crimes: genocídio; crimes contra a humanidade; crimes de guerra; e agressão.

Crime de genocídio – Conceito já adotado na Convenção de Prevenção e Punição do Genocídio e na lei brasileira sobre genocídio.

Art. 6º Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “genocídio”, qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:

a) Homicídio de membros do grupo;

b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial;

d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;

e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

Há duas coisas importantes nesse conceito: a) intenção de destruir (no todo ou em parte) e b) determinado grupo (nacional, étnico, racial ou religioso).

Crime contra a humanidade (crime against humanity)

Art. 7º (...)

1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade”, qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

a) Homicídio;

b) Extermínio;

c) Escravidão;

d) Deportação ou transferência forçada de uma população;

e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;

f) Tortura;

g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;

h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3°, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;

i) Desaparecimento forçado de pessoas;

j) Crime de apartheid;

k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

Possui os seguintes elementos: a) ataque (ato de violência); b) generalizado ou sistemático (não pode ser isolado); c) ter como alvo a população civil (se for contra militar, poderá haver crime de guerra). Um elemento que não está expresso é que os crimes contra a humanidade sempre envolvem políticas de governo, ou seja, o ataque à população civil sempre tem por base uma política que o governo tenciona atacar. É importante conhecer as condutas que configuram crime contra a humanidade.

Crimes de guerra – São considerados, em síntese, crimes de guerra: a) violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949; b) outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional; c) violações graves do art. 3º comuns às quatro Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949, em caso de conflito armado que não seja de índole internacional; d) outras violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional, no quadro do direito internacional, em caso de conflito armado que não seja de índole internacional. Portanto, crime de guerra é qualquer violação grave do direito internacional humanitário, também chamado de direito dos conflitos armados (conjunto de normas, convencionais e costumeiras, que regulam a atuação dos combatentes em conflitos armados e a assistência às vítimas desses conflitos).

Crime de agressão – Não foram tipificados originariamente no Estatuto de Roma, embora sejam previstos nele. Houve uma emenda ao estatuto, que hoje os define.

Art. 8º-BIS. 1. Uma ou mais pessoas cometem um crime de agressão quando, estando em condições de controlar ou dirigir efetivamente a ação política ou militar de um Estado, planejam, preparam, iniciam ou praticam ato de agressão que, por suas características, gravidade e dimensão, venha a constituir violação manifesta da Carta das Nações Unidas.

Ato de agressão é um ataque armado. O crime de agressão acontece quando uma pessoa que tem condição de controlar uma ação efetiva promove o ataque armado a outro Estado, com violação aos princípios da Carta das Nações Unidas.

2) Territorial ou ratione loci - Para que seja de competência do TPI, o fato deve ter ocorrido em qualquer Estado-Parte (ainda que o autor do fato tenha sido um nacional de um Estado que não seja parte do Estatuto) ou, por acordo especial, qualquer outro Estado (art. 4º). É possível, assim, que um Estado que não seja parte do Estatuto faça um acordo com o TPI para que o fato ocorrido em seu território seja de competência desse tribunal.

3) Pessoal ou ratione personae – Quem pode ser julgado pelo TPI: Pessoas físicas (art. 25). Não julga Estados, nem pessoas jurídicas. Julga maiores de 18 anos à época dos fatos (art. 26).

Irrelevância da qualidade oficial (art. 27): O TPI ignora qualquer imunidade ou prerrogativa que a pessoa possa ter, podendo julgar chefes de Estado, chefes de governo, embaixadores, ministros de estado etc. Ainda, a responsabilidade individual não afeta a responsabilidade do Estado (art. 25), sendo que determinado evento pode ensejar tanto a responsabilidade do Estado quanto do indivíduo. Por exemplo: Presidente de República do Brasil, que é parte do TPI e da CADH, além de reconhecer a competência da Corte IDH, pratica um genocídio. Haverá consequências jurídicas para o Estado brasileiro perante a Corte IDH pela violação da CADH na prática do genocídio, sendo condenado a reparar os danos causados às vítimas e seus familiares. Por outro lado, esse mesmo fato gerará a responsabilidade do Presidente da República e das demais autoridades envolvidas nessa prática perante o TPI. A responsabilidade das autoridades perante o TPI, diferentemente da responsabilidade do Estado, que é cível e enseja uma consequência de natureza indenizatória e compensatória, será criminal e ensejará penas de natureza criminal. Por essa razão, o Estatuto de Roma diz que a responsabilidade individual não afeta a responsabilidade do Estado.

4) Temporal ou ratione temporis – Como regra, o TPI julga apenas fatos praticados após a vigência do Estatuto (art. 11.1). Se o Estado faz uma adesão posterior (art. 11.2), o TPI poderá julgar fatos anteriores à adesão apenas se esse Estado fizer um acordo especial, admitindo expressamente essa possibilidade.