O eu lírico é a voz dos sentimentos do personagem que são transmitidos no poema em versos. Muitos questionam se essa voz seria a mesma do autor. A resposta é não.
O autor ao escrever o poema sente-se livre para criar essa voz poética que pode exprimir os mais diversos sentimentos: amor, ódio, tristeza, saudade, repulsa, revolta, carinho, ternura.
Compreenda o eu lírico
No poema de Carlos Drummond de Andrade, logo abaixo, é possível perceber o eu lírico questionando sua solidão, o pertencimento na cidade que vive e a falta de perspectiva para o futuro.
O autor utilizou um nome comum do povo brasileiro para representar esse emissor, o eu lírico, tentando se encontrar na realidade que vive. Buscando o entendimento de possíveis soluções para seus problemas atuais, pois já analisou outras alternativas que não funcionaram.
Porém, logo assume sua força quando afirma: “Você é duro, José!”
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
(…)
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Quem é o eu lírico?
A criatividade do autor pode expressar sentimentos até mesmo em seres inanimados que vão ganhando vida e mobilidade no decorrer do texto. Um exemplo disso é o poema de Vinicius de Moraes, “A Porta”, em que o personagem lírico é uma porta e ela retrata seus sentimentos acerca das situações cotidianas.
A Porta
Eu sou feita de madeira
Madeira, matéria morta
Mas não há coisa no mundo
Mais viva do que uma porta.
Eu abro devagarinho
Pra passar o menininho
Eu abro bem com cuidado
Pra passar o namorado
Eu abro bem prazenteira
Pra passar a cozinheira
Eu abro de supetão
Pra passar o capitão.
Só não abro pra essa gente
Que diz (a mim bem me importa…)
(…)
Nos poemas infantis
Nesse personagem literário, o eu lírico do texto também pensa como as crianças em suas conversas criativas com seres imaginários ou mesmo as situações corriqueiras que os adultos não dão importância. Isso fica bem elucidado no poema de Vinicius de Moraes. Veja:
Dorme ruazinha
DORME RUAZINHA… É TUDO ESCURO! …
Dorme ruazinha… É tudo escuro…
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranquilos…
Dorme… Não há ladrões, eu te asseguro…
Nem guardas para acaso persegui-los…
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos…
O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão…
Dorme, ruazinha… Não há nada…
Só os meus passos… Mas tão leves são,
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração…
O eu lírico representado por sons
Na música composta por Chico Buarque o eu lírico é uma mulher que não se apega emocionalmente, não implica, não questiona. Nesse exemplo pode-se perceber que o autor cria essa voz para falar de sentimentos que não são seus
.
Folhetim
“Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres
Que só dizem sim
Por uma coisa à toa
Uma noitada boa
Um cinema, um botequim
E, se tiveres renda
Aceito uma prenda
Qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa
Um sonho de valsa
Ou um corte de cetim
E eu te farei as vontades
(…)
O eu lírico de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa escreveu muitos poemas os quais criava personagens de autores heterônimos ou fictícios, como Álvaro de Campos e Alberto Caeiro. Eles eram seus alter egos, poetas inteiros, que expressavam seus sentimentos. O eu lírico dos poemas de Pessoa eram muitas vezes esses autores completos criados por sua mente poética.
Lisbon revisited
Não: não quero nada
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.