A compreensão dos direitos humanos, no curso da história, se mostra em grande parte fruto da dor física e do intenso sofrimento moral, marcantemente experimentados nos momentos de guerras, de exceção e violação generalizada de direitos. A história também nos mostra que foi (por vezes, ainda é) o Estado – por meio de sujeitos investidos em seu poder – o responsável por grande parte das atrocidades e barbaridades já vividas. Não sem razão, a limitação do poder estatal possui ligação intrínseca com os direitos humanos, devendo exercer seu poder de coação sempre com respeito aos direitos dos indivíduos.
É como bem aponta Fábio Konder Comparato, no sentido de que a cada surto de violência os homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, pelas mutilações em massa, pelos massacres coletivos e pelas explorações aviltantes faz nascer nas consciências a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos (COMPARATO, 2013).
Em outra vertente, também não é incomum se atribuir ao Estado a conivência e a leniência na investigação e punição dos indivíduos que praticam graves violações a direitos humanos, inclusive com a possibilidade de sua responsabilidade internacional.
As sociedades não devem tolerar a impunidade para graves violações de direitos humanos, de sorte que a responsabilização dos Estados por não cumprir seu papel punitivo em casos desse jaez é recorrente nos tribunais internacionais (por exemplo, o “caso Gomes Lund vs. Brasil”, também conhecido como guerrilha do Araguaia).
Para demonstrar a evolução histórica dos direitos humanos, evidenciando seus avanços e retrocessos, vamos nos valer dos preciosos ensinamentos lançados pelo ínclito Fábio Konder Comparato em sua obra A afirmação histórica dos direitos humanos, por meio dos quais podemos apontar e sistematizar as seguintes etapas históricas na afirmação dos direitos humanos:
a) Democracia ateniense e república romana: Basicamente, a democracia ateniense consistiu na atribuição ao povo do poder de eleger governantes e tomar diretamente em assembleia as decisões políticas mais importantes. Já na república romana, a limitação do poder político advinha de sistema de controle recíproco de diferentes órgãos políticos.
b) Idade Média: Com a extinção do Império Romano do Ocidente, iniciou-se uma nova civilização, formada pelo amálgama de instituições clássicas, de valores cristãos e costumes germânicos. Dessa reconstrução surgiram os feudos, os estamentos sociais (clero, nobreza e povo) e a concentração abusiva de poder na monarquia e na Igreja. Foi justamente contra os abusos dessa reconcentração do poder que surgiram as primeiras manifestações de rebeldia: na Península Ibérica, com a Declaração das Cortes de Leão de 1188 e, sobretudo, na Inglaterra, com a Magna Carta de 1215.
c) Século XVII: Durante os dois séculos que sucederam a Idade Média, a Europa conheceu um extraordinário recrudescimento da concentração de poderes, época em que se desenvolveram as monarquias absolutistas. A crise da consciência europeia fez ressurgir na Inglaterra o sentimento de liberdade, alimentado pela memória da resistência à tirania. As devastações provocadas pela guerra civil reafirmaram o valor da harmonia social, reavivando debate acerca dos perigos representados pelo poder absoluto. No entanto, as liberdades pessoais garantidas pelo habeas corpus e pela Declaração de Direitos de 1689 (Bill of Rights) não beneficiavam indistintamente todos os indivíduos, mas somente, e preferencialmente, os dois primeiros estamentos (clero e nobreza). A atuação do parlamento, por meio das ideias de governo representativo, foi a instituição responsável por limitar, ainda que em pouca medida, o poder monárquico.
d) Independência americana e Revolução Francesa: É verdadeiro registro do nascimento dos direitos humanos na história o art. I da Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, em 16 de junho de 1776, nos Estados Unidos da América (“Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, por nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança”). Treze anos após a independência americana, a Revolução Francesa trazia as mesmas ideias de liberdade e igualdade dos seres humanos, reafirmando que “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos” (art. 1º, Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789). As instituições da democracia liberal, com limitação vertical de poder (direitos individuais) e horizontal (separações das funções executiva, legislativa e judiciária), adaptaram-se e moldaram-se ao espírito de origem do movimento democrático.
e) Reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social: Contudo, a emancipação libertária do indivíduo em face do Estado não veio sem seu custo. A perda da proteção familiar, religiosa e estatal tornou-os muito mais vulneráveis às vicissitudes da vida e, especialmente, às mazelas advindas da concentração do capital e à pretensa igualdade de todos perante a lei. Essa isonomia formal rapidamente revelou-se como instrumento de opressão das empresas capitalistas em face da crescente legião de trabalhadores. Diante da brutal pauperização das massas proletariadas, viu-se na Constituição mexicana de 1917 e na Constituição de Weimar de 1919 instrumentos de plena afirmação dos direitos econômicos e sociais, de sorte a resgatar uma intervenção estatal para proteger e promover direitos das classes sociais oprimidas.
f) Primeira fase da internacionalização dos direitos humanos: Essa fase teve início na segunda metade do século XIX, terminando com a Segunda Guerra Mundial e manifestando-se basicamente em três setores: o direito humanitário (tem como marco a Convenção de Genebra de 1864, a partir da qual se fundou a Comissão Internacional da Cruz Vermelha); a luta contra a escravidão (o Ato Geral da Conferência de Bruxelas, de 1890, estabeleceu as primeiras regras para repressão ao tráfico de escravos); e a regulação dos direitos do trabalhador assalariado (marcado pela criação da Organização Internacional do Trabalho [OIT], em 1919).
g) Evolução dos direitos humanos a partir de 1945: Ao cabo da Segunda Guerra Mundial, após incontáveis massacres e atrocidades de toda sorte, iniciados com o fortalecimento do totalitarismo estatal nos anos 1930, a humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da história, o valor supremo da dignidade humana. No crepúsculo da humanidade, quando as violações de direitos faziam refletir sobre a essência da ideia de humanidade, parece ter surgido um pequeno feixe de luz, que tentou incansavelmente resgatar a suprema dignidade inerente a cada ser humano. Esse movimento de resgate à dignidade humana foi personificado com a criação da ONU, regida pela Carta das Nações Unidas (1945), e especialmente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Convenção Internacional sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, ambas de 1948.