Para estudar qualquer realidade, precisamos da compreensão de que ela é fruto de inúmeros aspectos históricos. Não é diferente no direito da criança e do adolescente.
Hoje, estamos em um momento de inúmeros avanços, que, contudo, é também fruto de erros e acertos vividos no passado. Portanto, passamos a conhecer o passado para compreender ainda melhor a realidade atual.
Idade Antiga
Nas civilizações antigas, o culto à religião tinha importância ímpar. Isso influenciava as relações familiares, que eram definidas com base na religião, e não necessariamente nas relações afetivas ou consanguíneas. Por essa razão, a principal função do chefe familiar era cumprir deveres religiosos, de modo que o pai era não só autoridade familiar, mas também autoridade religiosa.
Na época, o poder do pai era absoluto. Os filhos não eram sujeitos de direito, mas objeto de relações jurídicas, quase como uma “propriedade” do pai. Portanto, tinha ele o poder de decidir, inclusive, sobre a vida e a morte dos filhos.
O sacrifício de crianças com malformações, deficiências e doenças era comum. Não havia, tampouco, isonomia de tratamento entre os filhos, uma vez que os do sexo masculino eram titulares de direitos sucessórios, sendo gerados para cumprir seus deveres religiosos.
Idade Média
Em razão do crescimento da religião cristã, passou-se a reconhecer o direto à dignidade para todos, inclusive filhos. Com isso, o tratamento severo da Idade Antiga foi substituído por um mero dever de respeito para com os pais. No entanto, nesse período, surgiu também a discriminação de filhos nascidos fora do matrimônio, que eram mantidos à margem da sociedade.
O direito brasileiro
Nessa etapa, tivemos quatro grandes fases:
1) Absoluta indiferença – Antes da chegada dos portugueses ao Brasil, ausência de Estado, de qualquer ordenamento jurídico nos moldes como o conhecemos.
2) Mera imputação criminal ou direito penal indiferenciado – O tratamento penal dispensados aos maiores poderia ser aplicado a crianças e adolescentes. Temos as ordenações do Reino – Afonsinas, Manuelinas e Filipinas –, o Código Criminal de 1830, bem como o Código Penal de 1890, que tratavam das crianças e adolescentes se o magistrado entendesse que eles possuíam discernimento suficiente em relação aos fatos a eles imputados. Muitas críticas eram tecidas, sendo inclusive chamado de método da adivinhação psicológica, dado o elevado grau de subjetividade relegado ao juiz.
Durante essa segunda fase, tivemos a chamada doutrina higienista, afastando das ruas as crianças e adolescentes expostos a vulnerabilidades sociais, como medida de saúde pública, que ocorreu após o Código de Mello Mattos.
Embora o Código Criminal do Império, de 1830, já tratasse da menoridade como uma categoria jurídica; foi a partir da aprovação do Código Penal da República que a repressão assumiu um caráter político claro em torno do que se desejava enquanto imagem da infância brasileira, ou seja, aquela consagrada como o futuro do país baseado nas concepções básicas do positivismo. Wolkmer observa que:
“A supremacia do positivismo jurídico nacional constrói-se no contexto progressivo de uma ideologização representada e promovida pelos dois maiores polos de ensino do saber jurídico: a Escola de Recife e a Faculdade de Direito do Largo São Francisco (São Paulo). Produto de concepções consideradas avançadas na Europa, o apelo cientificista do positivismo surgia como discurso hegemônico e uniforme, identificado com os interesses emergentes da burguesia urbana liberal e com as novas aspirações normativas da formação socioeconômica brasileira” (WOLKMER, 2000, p. 130).
As ideias positivistas aliadas ao movimento higienista e a todo um novo aparato jurídico foi responsável pela produção do “menor” enquanto objeto normativo, segundo o qual o Estado “visando garantir o futuro do país” deveria tomar medidas especializadas (VIEIRA, 2005, p. 15).
Fase tutelar, de proteção – Códigos criados para tutelar a infância, a exemplo do Código de Mello Mattos de 1927 e o Código de Menores de 1979, que, a despeito de proteger, acabam sendo responsáveis por grandes abusos, se referiam aos menores e adolescentes como menores abandonados ou delinquentes, permitindo que fossem submetidos a quaisquer tipos de internação ou institucionalização em um verdadeiro controle social formal, que se dava por meio de medidas institucionalizadoras aplicadas sem o devido processo legal.
Proteção integral – Inaugurada pela Constituição Federal de 1988 (CF/1988). Considera crianças, adolescentes e jovens como titulares de direitos que deverão ser garantidos com prioridade absoluta. Nessa seara, o art. 227 da CF/1988 é de suma importância, na medida em que se refere à titularização de direitos, programas de prevenção, participação da sociedade, direito à proteção especial. O art. 228 também é de extrema importância ao se referir ao princípio da inimputabilidade dos menores de 18 anos, ficando eles, nesse caso, sujeitos às normas da legislação especial, que é justamente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990.
No período colonial do Brasil, ainda se tinha o respeito ao pai como máxima autoridade no âmbito da família, assegurado a ele o direito de castigar o filho como maneira de educá-lo.
No período imperial, surge uma preocupação com relação às infrações praticadas por menores, sendo a imputabilidade penal fixada em sete anos de idade. Em 1830, essa idade foi alterada para 14 anos.
Em 1551, fundou-se a primeira casa de recolhimento de crianças do país. No início do século XVIII, cresce a preocupação com órfãos e expostos, em razão da comum prática de abandono de menores que decorria de circunstâncias como adultério, pobreza extrema ou mães solteiras. Assim, criou-se a “roda dos expostos” nas Santas Casas.
Com a República, ocorre um aumento populacional, que gerou inúmeros problemas urbanos. Tal fato levou à criação de entidades assistenciais de caridade. Em 1906, são inauguradas escolas de prevenção, com o fim de educar menores abandonados.
Fruto de influência de tratados que vinham sendo celebrados no âmbito internacional, como a Declaração de Gênova de Direitos da Criança de 1924, começa a se discutir no país uma doutrina do direito do menor, com base nas ideias de carência e delinquência.
Normalmente, essas ideias levam à criminalização da infância pobre, e assim surge a Doutrina da Situação Irregular (MACIEL, 2017).
Em 1926, é editado o Código de Menores do Brasil (Decreto nº 5.083/1926), tendo por objeto os infantes expostos e menores abandonados.
Em 1927, foi substituído pelo chamado Código Mello Mattos (Decreto nº 17.943-A), em que se definiu que cabia ao Juiz de Menores decidir o destino de crianças abandonadas.
Com a Constituição de 1937, ampliou-se o aparato da infância e da juventude, que trouxe maior proteção aos setores mais carentes da sociedade.
Em 1941, surge o Serviço de Assistência do Menor para atender menores delinquentes e desvalidos. Durante a Ditadura Militar, o Serviço de Assistência, após inúmeras críticas, foi extinto, dando lugar à Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), a qual, embora na teoria tivesse uma proposta pedagógica-assistencial progressiva, na prática, era mais uma forma de controle dos militares em nome da “segurança nacional”. Ao longo do Regime, foi também reduzida a imputabilidade penal de 18 para 16 anos de idade.
Em 1979, editou-se um novo Código de Menores que tinha por norte a doutrina da Situação Irregular, mantendo a cultura da internação. Com o fim da ditadura, substituiu-se a Funabem pelo Centro Brasileiro para Infância e Adolescência (CBIA).
O período pós-Constituição de 1988
Com um caráter democrático social e uma vasta ampliação de direitos, a CF/1988 trouxe importantes mudanças em nossa ordem jurídica. Tais mudanças influenciaram o sistema jurídico da criança e do adolescente, que também foi aprimorado.
A edição do ECA foi um marco, pois passou a abranger normas específicas, regras processuais, tipos penais, normas de direito administrativo, princípios e política legislativa, trazendo todo o aparato necessário para ser efetivado. Adotou-se a Doutrina da Proteção Integral, que trouxe um novo paradigma, com um caráter de política pública. Crianças e adolescentes passaram a ser titulares de direitos subjetivos. O município passa a ter importante papel, ao se tornar responsável pelo estabelecimento e pela execução da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, por meio do Conselho Municipal de Direito da Criança e do Adolescente. O Ministério Público (MP) também ganha destaque, sendo considerado agente garantidor de toda a rede de proteção, além de responsável pela fiscalização, pelo controle de resultados e por assegurar o respeito de todos os direitos das crianças e adolescentes.