Ao longo da evolução e da história da humanidade, o tratamento e o reconhecimento do ser humano enquanto sujeito de direitos e titular de dignidade não foi uma constante. Episódios de violações massivas de direitos e absolutas afrontas à dignidade exigiram que a própria humanidade reconhecesse direitos inerentes a todas as pessoas, bem como que impusesse que todas seriam merecedoras de direitos.
Essa singela digressão tem a finalidade de demonstrar o escopo dos direitos humanos, que nada mais representam senão os valores a que todas as pessoas devem ter acesso pelo simples fato de existirem, independentemente de sua cor, raça, credo, nacionalidade etc. Portanto, é esse reconhecimento, de que todo o ser humano é igual em dignidade e direitos, que deve nortear nossos estudos em direitos humanos.
Podemos conceituar direitos humanos como aqueles inerentes à condição humana da pessoa, enquanto ser dotado de liberdade, igualdade, razão e dignidade. Sua titularidade decorre do simples fato de a pessoa existir e engloba todos os aspectos indispensáveis e essenciais à vida digna, especialmente aqueles positivados em normas nacionais ou internacionais.
A partir dessa ideia, pode-se perquirir: qual é o fundamento dos direitos humanos? O que lhes dá base? De onde vêm os direitos humanos?
Existem várias formas de fundamentar os direitos humanos. Em primeiro lugar, podemos dizer que existe uma fundamentação religiosa, especialmente com base na doutrina cristã, a qual defende que todos os homens seriam imagem e semelhança de Deus, e isso é o que atribuiria dignidade para todos os seres humanos. Há também uma fundamentação filosófica, que vem das teorias contratualistas de Hobbes, Rousseau, Locke e Immanuel Kant; estes forneceram base filosófica muito importante para os direitos humanos. Entretanto, o que interessa em nosso estudo é a fundamentação jurídica, e Norberto Bobbio cunhou uma frase muito interessante a respeito disso:
Os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada Constituição incorpora Declaração de Direitos), para finalmente encontrar a plena realização como direitos positivos universais (BOBBIO, )
Esse pensamento do autor sintetiza as três correntes do fundamento jurídico acerca direitos humanos: a corrente jusnaturalista, acorrente juspositivista nacionalista e a corrente juspositivista internacionalista.
a) A corrente jusnaturalista foi a que primeiro preocupou-se com direitos indispensáveis a uma vida digna. Falava-se que os direitos humanos são inerentes aos seres humanos e decorrem da razão divina ou da razão humana. Em outras palavras, os direitos humanos nasceram como direitos naturais universais, como diz Bobbio. Inicialmente, os direitos humanos eram vistos como direitos naturais e no início havia uma identificação envolvendo os conceitos de direitos humanos e os direitos do homem, pois se acreditava que os direitos humanos eram direitos naturais. Essa foi a primeira teoria que fundamentou os direitos humanos, dizendo que estes existem e têm fundamento na razão divina ou na razão humana, seriam direitos naturais, inerentes a todos os seres humanos. Pouco depois disso, surgiu o fundamento juspositivista nacionalista.
b) A corrente juspositivista nacionalista considera esses direitos, inicialmente vistos como naturais, passaram a serem positivados. Com as revoluções liberais do século XVIII, os direitos humanos começaram a ser positivados em declarações e também em constituições nacionais. A partir desse momento, começou a se entender que o fundamento dos direitos humanos está nas constituições.
c) A corrente juspositivista internacionalista diz que, na verdade, os direitos humanos têm fundamento no direito internacional, pois estes passaram a ser positivados no século XX em textos internacionais. Dessa forma, passou-se a defender o fundamento juspositivista internacionalista dos direitos humanos.
Essas são as três principais correntes; todavia, evidentemente, há ainda outras correntes. Contudo, a doutrina mais interessante, como elaborado por André de Carvalho Ramos, explora essas três.
A título de aprofundamento, entendemos como importante empreender algumas explicações sobre o conceito de direitos humanos por nós proposto. Vejamo-las.
Quando se faz menção à inerência dos direitos humanos, percebe-se uma inegável aproximação à corrente jusnaturalista, pois parte-se do pressuposto da existência de ordem natural e preconcebida de direitos ostentados por todas as pessoas. Ou seja, essas se constituem pelo fato de existirem, e assim caberia aos direitos humanos tão somente declará-los. No entanto, o reconhecimento das características inatas de liberdade, igualdade, razão e dignidade, muito embora também possuam certa base jusnaturalista, mais se escoram em pensamentos atribuídos às teorias contratualistas. Esses atributos vinculam, de forma racional, os direitos humanos a traços da natureza do ser humano, sem fundamentação de cunho religioso. Outrossim, a positivação de direitos em normas nacionais ou documentos internacionais denota característica juspositivista, segundo a qual os direitos humanos encontrariam fundamento e gozariam de proteção na medida em que positivados em determinado tempo e espaço. Sob premissas positivistas, portanto, o reconhecimento do direito humano pelo Estado é indispensável para sua promoção e proteção.
Assim, podemos constatar que o conceito proposto aos direitos humanos se encontra alicerçado em bases naturalistas, contratualistas e positivistas. Essa heterogeneidade do conceito retrata a evolução histórica (ainda em desenvolvimento) dos valores essenciais à dignidade humana. Isso ocorre porque os direitos humanos são fruto de construção e evolução histórica; todos os avanços e retrocessos vivenciados pela humanidade serviram – e ainda servem – para consolidar valores indispensáveis e essenciais para a vida com dignidade.
Feitas essas explicações, analisemos algumas concepções contemporâneas de direitos humanos, as quais não têm o condão de “conceituar” os direitos humanos, mas buscam apresentar novos elementos ou reflexões sobre seu conteúdo.
Iniciemos com a ponderação de Norberto Bobbio, para quem os direitos humanos são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes e nascidos de modo gradual, não totais e nem definitivos. Ou seja, direitos nascem quando devem ou podem nascer (BOBBIO, 2004).
Para Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas um construto, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução. Refletem um construído axiológico, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social (ARENDT apud PIOVESAN, 2015).
Antônio Peres Luño, por sua vez, considera os direitos humanos como o conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional (PERES LUÑO, 1995).
Pondera Joaquín Herrera Flores que os direitos humanos compõem uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. Invocam, nesse sentido, uma plataforma emancipatória voltada à proteção da dignidade humana (FLORES, 2005).
Segundo David Sánchez Rubio, os direitos humanos devem recuperar outras dimensões e elementos, como:
a) o âmbito que dá origem aos direitos humanos se relaciona com os processos de luta pela abertura e consolidação de espaços de liberdade e dignidade humanas, notadamente de movimentos sociais;
b) para fazer efetivos os direitos humanos, as atuações devem direcionar-se a uma perspectiva pré-violatória;
c) é decisivo proporcionar uma análise cotidiana dos direitos humanos (vê-los e aplicá-los no dia a dia), refletindo-os permanentemente em sua dimensão política, sócio-histórica, processual, dinâmica, conflitiva, reversível e complexa (RUBIO, 2014).
Por fim, conforme lição de Luigi Ferrajoli, os direitos humanos simbolizam a lei do mais fraco contra a lei do mais forte, na expressão de um contrapoder em face dos absolutismos advindos do Estado, do setor privado ou mesmo da esfera doméstica (FERRAJOLI apud PIOVESAN, 2015).