Resumo de Direito da Criança e do Adolescente - O acesso à justiça no Estatudo da Criança e do Adolescente

Dentre todos os direitos fundamentais assegurados às pessoas em desenvolvimento está o acesso à justiça. Trata-se de importante garantia constitucional assegurada a todos, consagrada na Constituição Federal de 1988 (CF/1988) pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto em seu art. 5º, XXXV. Outra previsão que reflete esse direito é o direito de petição, também assegurado constitucionalmente, no art. 5º, XXXIV, da CF/1988, consistente no direito de qualquer cidadão peticionar diretamente aos Poderes Públicos, e deles obter um posicionamento.

Crianças e adolescentes têm esses direitos, que são a eles especificamente assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069/1990), a partir do art. 141.


Direito de petição infantojuvenil

O primeiro direito relativo ao acesso à justiça assegurado no ECA é o direito de petição, previsto no art. 141, caput. Em razão dessa previsão, toda criança ou adolescente tem acesso à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.

Assim, por meio desse acesso, podem obter informações relativas às ações de que são parte, bem como sobre procedimentos e recursos relacionados à tutela de seus direitos.


Assistência jurídica gratuita

Outro direito assegurado no art. 141 do ECA relacionado ao acesso à justiça é o direito à assistência judiciária gratuita. Sua garantia é encontrada no § 1º desse artigo, que dispõe: “§ 1º A assistência judiciária gratuita será prestada aos que dela necessitarem, através de defensor público ou advogado nomeado.”

Trata-se de direito fundamental constitucionalmente assegurado a todos no art. 5º, LXXIV, da CF/1988. Assim, se a criança ou adolescente, ou seus pais e responsáveis, não tiverem meios de arcar com o custo da contratação de advogado, será a eles assegurada a nomeação de defensor público ou advogado, para representá-los por meio da assistência judiciária gratuita.

Como se observa no art. 134 da CF/1988, é um dos papéis da defensoria pública orientar juridicamente e defender os necessitados. No entanto, como alguns locais ainda não são atendidos pela Defensoria Pública, em razão de convênio celebrado com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), será nomeado advogado para exercer esse papel.


Gratuidade nos procedimentos na Justiça da Infância e da Juventude

No § 2º do art. 141 do ECA é assegurada, ainda, a gratuidade de justiça a crianças e adolescentes, que abrange todas as ações de competência da Justiça da Infância e da Juventude:

Art. 141. (...)

§ 2º As ações judiciais da competência da Justiça da Infância e da Juventude são isentas de custas e emolumentos, ressalvada a hipótese de litigância de má-fé.

No entanto, vale observar que a isenção não alcança ações que tenham conteúdo exclusivamente patrimonial, bem como processos de expedição de alvará para shows, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (REsp. nº 701.969/ES, rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado em 21.02.2006, DJ 22.03.2006).


Capacidade civil, capacidade processual e curadoria especial

O acesso à justiça está diretamente ligado à capacidade, especialmente quanto a crianças e adolescentes. No âmbito civil, temos dois tipos de capacidade: a capacidade de direito, que corresponde à faculdade abstrata de usufruir de direitos, que todos têm; e a capacidade de fato, que seria a capacidade de exercer esses direitos por si mesmo, sem a necessidade de assistência ou representação.

Existe ainda a capacidade processual, que se subdivide em três espécies: capacidade de ser parte, que decorre da capacidade de direito; capacidade de estar em juízo, que é reflexo da capacidade de fato; e a capacidade postulatória, que cabe aos advogados.

Menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes (art. 3º, Código Civil -

CC), sendo relativamente incapazes os maiores de 16 e menores de 18 anos (art. 4º, I, CC). Nesse sentido, o art. 142 do ECA estabelece que menores de 16 anos serão representados; e os maiores de 16 anos e menores de 21 anos serão assistidos por seus pais, tutores ou curadores.

Ainda, vale ressaltar que o ECA é anterior ao CC em vigor. Antes da sua promulgação, a maioridade era atingida aos 21 anos de idade, motivo pelo qual o ECA cita que, até os 21 anos de idade, há assistência por parte dos pais, tutores ou curadores. Com a alteração legislativa, a maioridade se atinge aos 18 anos de idade, de modo que não mais é necessária a assistência a partir dessa idade.

A representação e a assistência, via de regra, são desempenhadas pelos pais ou responsáveis da pessoa em desenvolvimento. No entanto, diante de uma situação em que os interesses da criança ou do adolescente sejam conflitantes com os dos pais ou responsáveis, ou quando carecer de representação ou assistência legal ainda que eventual, de acordo com o parágrafo único do art. 142 do ECA, será nomeado um curador especial.

Normalmente, essa atividade de curadoria especial é desempenhada pela Defensoria Pública. No entanto, tratando-se de ação ajuizada pelo Ministério Público, é desnecessária a nomeação de curador especial, conforme art. 162, § 4º, do ECA.

Divulgação de atos referentes a crianças e adolescentes

Outra garantia atribuída a crianças e adolescentes relacionada ao acesso à justiça corresponde na obrigação de haver segredo de Justiça nessas ações, pois, de acordo com o art. 143 do ECA, “é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional”.

Ademais, em razão dessa garantia, é vedado que sejam identificados a criança ou adolescente em qualquer notícia a respeito do fato, vedando-se inclusive fotografia, referência ao nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais de nome e sobrenome.

Para que seja expedida cópia ou certidão desses atos, exige-se autorização da autoridade judiciária competente, mediante demonstração do interesse e justificada a finalidade, nos termos do art. 144 do ECA.


Justiça da Infância e da Juventude

Ainda com relação ao acesso à justiça, é assegurada uma jurisdição especializada para tratar de questões que envolvam pessoas em desenvolvimento. Vejamos o que diz o art. 145 do ECA:

Art. 145. Os estados e o Distrito Federal poderão criar varas especializadas e exclusivas da infância e da juventude, cabendo ao Poder Judiciário estabelecer sua proporcionalidade por número de habitantes, dotá-las de infraestrutura e dispor sobre o atendimento, inclusive em plantões.


Competência

De acordo com o art. 147 do ECA são estabelecidos critérios para fixação da competência territorial. São eles:

Para ações cíveis:

  1. domicílio dos pais ou responsáveis;
  2. lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável.

Para apuração de ato infracional:

  1. lugar da ação ou omissão, aplicando-se as causas de modificação de competência (conexão, continência e prevenção).

Para execução de medidas socioeducativas:

  1. local onde se encontrar o adolescente.

Para ação relativa à infração cometida por transmissão simultânea de rádio ou televisão, cujo dano abranger mais de uma comarca:

  1. local da sede estadual da emissora (sentença abrangerá todas as unidades).

Para apuração da infração administrativa:

  1. lugar da ação ou omissão (entendimento doutrinário).

Quanto à definição da competência relativa às quais ações serão julgadas pela Justiça da Infância e da Juventude, deve-se observar as seguintes disposições:

I. Verificar se não se trata de competência da Justiça Federal ou da Justiça do Trabalho, pois são fixadas na CF/1988, que prevalece às disposições do ECA.

II. Verificar se, não sendo competência da Justiça Federal ou do Trabalho, trata-se de caso abrangido pela competência da Justiça da Infância e da Juventude, ou seja, se está dentro de uma das hipóteses do art. 148 do ECA.

III. Depois de definido se é de fato hipótese de competência da Justiça da Infância e da Juventude, deve-se observar as regras já apontadas, relativas à competência material.

Como apontado, a competência da Vara da Infância e da Juventude é definida no art. 148 do ECA. A doutrina divide suas hipóteses em duas espécies: competência exclusiva (prevista no caput e nos incisos); e competência concorrente (prevista no parágrafo único e em suas alíneas).

Será de competência exclusiva da Justiça da Infância e da Juventude, de acordo com o art. 148 do ECA:

  1. Conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis. Independentemente da natureza do ato infracional, será competente para a apuração do ato e aplicação da medida cabível o Juízo da Vara da Infância e Juventude.
  2. Conceder a remissão, como forma de suspensão ou extinção do processo. Na hipótese de exclusão do processo, o juiz homologará a remissão; na hipótese de suspensão ou extinção do processo, será necessária a sua concessão pelo juiz, após oitiva do Ministério Público.
  3. Conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes. Vale observar que a adoção a que se refere essa hipótese diz respeito à adoção de crianças e adolescentes, uma vez que a adoção de adultos será competência da Vara da Família.
  4. Conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente. Os direitos aqui mencionados não podem ter natureza puramente patrimonial, caso em que será competente a Vara Cível.
  5. Conhecer de ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento, aplicando as medidas cabíveis. Essas ações terão procedimento próprio, e não excluem a possibilidade de ser ajuizada ação civil pública com a mesma finalidade.
  6. Aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção à criança ou ao adolescente. Se as infrações praticadas forem ilícitos penais, serão julgados pelo Juízo Criminal. No entanto, tratando-se de ilícito meramente administrativo, será julgado pela Vara da Infância e da Juventude.
  7. Conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis. Não sendo observada a competência exclusiva da Justiça da Infância e da Juventude, haverá nulidade da sentença.

A competência concorrente, por sua vez, é definida para as hipóteses previstas no art. 148 do ECA:

Art. 148. (...)

Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do art. 98, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de:

a) conhecer de pedidos de guarda e tutela;

b) conhecer de ações de destituição do poder familiar, perda ou modificação da tutela ou guarda; (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009.)

c) suprir a capacidade ou o consentimento para o casamento;

d) conhecer de pedidos baseados em discordância paterna ou materna, em relação ao exercício do poder familiar; (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009.)

e) conceder a emancipação, nos termos da lei civil, quando faltarem os pais;

f) designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança ou adolescente;

g) conhecer de ações de alimentos;

h) determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimento e óbito.

Embora o caput transmita a ideia de existência de competências concomitantes, fato é que, havendo uma das hipóteses previstas no art. 148 do ECA e uma situação de risco para a pessoa em desenvolvimento, a competência será exclusiva da Vara da Infância e da Juventude.


Atribuição disciplinar do juiz da infância e da juventude

Na mesma linha de proteção integral da criança e adolescente, que deve ser resguardada pelo juiz, o art. 149 do ECA estabelece que é competente a autoridade judiciária para disciplinar, por meio de portaria, ou autorizar, mediante alvará, hipóteses relativas à entrada e permanência de crianças e adolescentes, desacompanhados, em determinados locais, bem como sua participação em espetáculos ou certames:

Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:

I – a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em:

a) estádio, ginásio e campo desportivo;

b) bailes ou promoções dançantes;

c) boate ou congêneres;

d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;

e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.

II – a participação de criança e adolescente em:

a) espetáculos públicos e seus ensaios;

b) certames de beleza.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros fatores:

a) os princípios desta Lei;

b) as peculiaridades locais;

c) a existência de instalações adequadas;

d) o tipo de frequência habitual ao local;

e) a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes;

f) a natureza do espetáculo.

§ 2º As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral.


Serviços auxiliares

Para auxiliar a Justiça da Infância e da Juventude, determina o art. 150 a manutenção pelo Poder Judiciário de equipe interprofissional, competente para desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, sob a imediata subordinação à autoridade judiciária.

Diante da ausência ou insuficiência de servidores para a realização dos estudos psicossociais ou outras avaliações exigidas, autoriza o art. 151, parágrafo único, do ECA a nomeação de perito para tanto.