Resumo de Direito da Criança e do Adolescente - Poder familiar, guarda e tutela

Poder familiar

O poder familiar corresponde à prerrogativa ou autoridade exercida em relação à outra pessoa dentro do núcleo familiar. São a ele inerentes os deveres de guarda, sustento e educação, além da obrigação de cumprir (ou fazer cumprir) determinações judiciais. Essa é a disciplina do art. 22 do ECA:

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)

Podemos complementar esse artigo com o art. 1.634 do Código Civil (CC):

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I – dirigir-lhes a criação e a educação; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014.)

II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014.)

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014.)

IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014.)

V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014.)

VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014.)

VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014.)

VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014.)

IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014.)

Portanto, trata-se do poder exercido pelos líderes de uma família natural, normalmente representados na figura dos pais. Do contrário, poderá ser perdido ou suspenso, tratando-se de poder de exercício obrigatório.

Além das hipóteses em que pode ocorrer sua perda ou suspensão, sua extinção pode acontecer pela maioridade, emancipação, falecimento dos pais ou filho, ou algumas formas de colocação em família substituta, como tutela e adoção.

Portanto, visto seu conceito, tem por características ser de exercício obrigatório, compartilhado pelos pais e constituir-se como um direito-dever. São seus titulares os pais.

Um julgado importante e que demonstra alguns dos deveres do Poder Familiar diz respeito à obrigação de imunização por meio de vacina devidamente registrada junto à vigilância sanitária e incluída em Programa Público de imunizações.

Trata-se do ARE nº 1.267.879, Tema nº 1.103, noticiado no Informativo nº 1.003: Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o Tema nº 1.103 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator. Foi fixada a seguinte tese: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”. (STF −. Plenário. ARE nº 1.267.879/SP, rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 16 e 17.12.2020 − Repercussão Geral – Tema nº 1103 − grifos nossos).

Perda ou suspensão do poder familiar

Segundo o art. 24 do ECA, a perda e a suspensão do poder familiar devem ser decretadas judicialmente, observado o contraditório. Elas podem ocorrer de acordo com as hipóteses previstas na legislação civil ou quando forem injustificadamente descumpridos os deveres e obrigações presentes no art. 22 do ECA.

Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009.)

Vale ainda observar o disposto no art. 23 do ECA:

Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009.)

§ 1º Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016.)

§ 2º A condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso sujeito à pena de reclusão contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar ou contra filho, filha ou outro descendente. (Redação dada pela Lei nº 13.715, de 2018.) (Grifos nossos.)

Portanto, nem a carência de recursos materiais, nem a condenação criminal serão motivos suficientes para autorizar a destituição do poder familiar. No caso da condenação criminal, ele somente será destituído caso a condenação seja por crime doloso, com pena de reclusão, praticado contra o outro titular do poder familiar, ou contra o filho, filha ou outro descendente, hipótese em que a sua manutenção claramente iria contra os interesses da criança ou adolescente.

Inclusive, recentemente decidiu o STJ, no REsp. nº 1.845.146, que a mãe biológica detém legitimidade para recorrer da sentença que julgou procedente o pedido de guarda formulado por casal que exercia a guarda provisória da criança, mesmo se já destituída do poder familiar em outra ação proposta pelo MP e já transitada em julgado.

RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA PROPOSTA EM FACE DA MÃE BIOLÓGICA POR CASAL INTERESSADO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E JULGADA PROCEDENTE NO CURSO DO PROCESSO. POSTERIOR SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE GUARDA. APELAÇÃO DA GENITORA. LEGITIMIDADE RECURSAL RECONHECIDA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A mãe biológica, mesmo já destituída do poder familiar, em outra ação, por sentença transitada em julgado, tem ainda legitimidade para recorrer da sentença que julgou procedente, contra si, o pedido de guarda formulado por casal que exercia a guarda provisória da criança, confiada pelo Conselho Tutelar da Comarca de origem. 2. No caso concreto, a ação de destituição do poder familiar ajuizada pelo Ministério Público contra a genitora não fora cumulada com pedido de adoção por família substituta. Desse modo, embora julgada procedente, a sentença de destituição não eliminou o laço de parentesco da mãe biológica com a criança, mas apenas fez cessar, juridicamente, suas prerrogativas parentais sobre a filha. 3. A qualidade de ré na ação de guarda, bem como a subsistência do laço sanguíneo, conferem à mãe biológica legitimidade e interesse bastante para, em prol da proteção e do melhor interesse da menor, discutir o destino da criança, seus cuidados e criação, na busca de assegurar o direito da infante à manutenção no seio da família extensa materna. 4. Recurso especial a que se dá provimento para que, reconhecida a legitimidade recursal, retornem os autos ao Tribunal de origem a fim de que prossiga no julgamento da apelação.

Família substituta

A família pode ser natural, extensa ou substituta. O terceiro tipo constitui a espécie mais excepcional. Existem vários conceitos importantes dentro da ideia de família substituta, como guarda e tutela. Desse modo, é essencial a sua compreensão.

A família substituta é composta em função da guarda, tutela ou adoção. Em alguns casos, a família extensa ou ampliada pode ser convertida em família substituta quando a esta é concedida a guarda, tutela ou adoção. Isso somente acontecerá nos casos em que seja impossível, mesmo que momentaneamente, à criança permanecer na família natural. Ou seja, trata-se de núcleo familiar excepcional.

Segundo o caput do art. 28 do ECA, podemos observar que a família substituta pode ser dividida em três diferentes formas: guarda, tutela ou adoção.

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

No entanto, antes de compreender as especificidades de cada uma das espécies, é necessário observar as regras dispostas no art. 28, em seus parágrafos. Uma das regras que devem ser observadas para a colocação da criança ou do adolescente em família substituta é encontrada no § 1º do art. 28 do ECA:

Art. 28. (...)

§ 1º Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009.)

Vale observar a necessidade de a oitiva ser realizada por equipe interprofissional, respeitando o estágio de desenvolvimento e grau de compreensão da criança ou adolescente sobre as implicações de sua colocação em família substituta. Os profissionais em questão serão vinculados aos serviços auxiliares da Vara da Infância e Juventude, hierarquicamente subordinados à autoridade judiciária. Seu parecer será essencial para a tomada da decisão do juiz, que, contudo, não se vincula necessariamente a ele, pelo princípio da persuasão racional.

Em complemento à ideia do § 1º, o § 2º do art. 28 dispõe que: “Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009.)”.

Diante disso, se maior de 12 anos, não bastará a oitiva, o que torna essencial o consentimento do adolescente para que seja colocado em família substituta. Por maior de 12 anos, entende a doutrina tratar-se do adolescente com 12 anos completos, a partir de seu aniversário (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2018).

Preferência por família substituta com relação de parentesco

Outra questão a ser observada quando da colocação da criança ou adolescente em família substituta é a disposta no art. 28, § 3º, do ECA:

Art. 28. (...)

§ 3º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009.)

A partir desse artigo, podemos verificar a possibilidade de conversão da família extensa ou ampliada em família substituta, situação a qual terá prioridade sobre famílias compostas por terceiros estranhos à criança ou ao adolescente. Isso se dá em razão das consequências que podem advir desse ato, que devem ser minimizadas na medida do possível. A retirada da família natural é algo que impacta a vida da criança. Desse modo, se for possível entregá-la a alguém com quem já tem parentesco ou afinidade, isso terá menos consequências do que sua entrega a terceiros estranhos. A preferência, nessa hipótese, se dará em razão de maior afinidade ou afetividade com a criança e não, necessariamente, com o parentesco mais próximo.

Quando da colocação da criança ou adolescente em família substituta, outra orientação trazida pelo legislador se volta para as situações envolvendo grupos de irmãos, encontrada no art. 28, § 4º:

Art. 28. (...)

§ 4º Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009.)

Para, novamente, minimizar os efeitos do ato, em prol do superior interesse da criança e do adolescente, existe a preocupação de se evitar a separação de grupos de irmãos, salvo em situações de risco de abuso ou qualquer situação que justifique a excepcionalidade. Em todo caso, deve-se evitar o rompimento dos vínculos fraternais.

Preparação gradativa para colocação em família substituta

Outra preocupação do legislador, buscando ainda minimizar as consequências da colocação da criança ou do adolescente em família substituta, foi a de prepará-los gradativamente para tal, nos termos do art. 28, § 5º, do ECA:

Art. 28. (...)

§ 5º A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009.)