O art. 4º do CDC estabelece a Política Nacional das Relações de Consumo dispondo que seu objetivo é o “atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo” (grifos nossos).
Ao enunciar os objetivos da Política Nacional, o art. 4º do CDC estabelece os princípios do direito consumidor, que serão analisados na sequência.
Princípio da vulnerabilidade
O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo é princípio orientador da Política Nacional das Relações de Consumo (PNRC), consoante previsão do inciso I do art. 4º do CDC.
A vulnerabilidade é a espinha dorsal da proteção ao consumidor, representando valor sobre o qual se assenta toda a filosofia protetiva do Código. Isso porque as normas do CDC são sistematizadas tendo como premissa a ideia de proteção de um determinado sujeito, o consumidor, por ser ele vulnerável.
O ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor, mecanismo que visa garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo.
Assim, pelo princípio da vulnerabilidade, parte-se da premissa de que o consumidor é mais fraco na relação jurídica consumerista. Trata-se o desigual de forma desigual para com isso produzir a igualdade. Velar pelo princípio da vulnerabilidade é velar pelo princípio da equidade garantido na CF/1988.
Nota-se que a presunção de vulnerabilidade do consumidor é absoluta, independentemente de sua condição econômica, social, cultural ou quaisquer contextos outros. Trata-se, pois, de fenômeno de direito material que retrata uma presunção juris et de jure. E, nesse ponto, cabe-nos distinguir a noção de vulnerabilidade da concepção de hipossuficiência.
A hipossuficiência retrata fenômeno de direito processual, verificado quando houver demasiada dificuldade de o consumidor produzir prova de um fato favorável ao seu interesse, seja por não possuir conhecimento técnico específico, por não dispor de recursos financeiros para tanto ou por quaisquer outros eventuais obstáculos.
A hipossuficiência deve ser analisada à luz do caso concreto e das peculiaridades de cada qual.
Já a vulnerabilidade, que é conceito de natureza material, atinente à inferioridade técnica, jurídica ou fática do consumidor frente ao fornecedor e que se presume por força de lei.
A reforçar o caráter processual do princípio da hipossuficiência, bem como de sua aplicação específica a um caso em concreto, o art. 6º, VIII, do CDC, estabelece a inversão do ônus da prova como direito básico do consumidor, cujo exercício está condicionado à verossimilhança da sua alegação ou à sua hipossuficiência, demonstradas de acordo com as regras da experiência.
Portanto, todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor vulnerável é hipossuficiente.
A doutrina costuma apontar as seguintes espécies de vulnerabilidade: fática, técnica, jurídica e informacional.
A vulnerabilidade fática, chamada por alguns autores de econômica, decorre da discrepância entre a maior capacidade econômica e social dos agentes econômicos (fornecedores de produtos e serviços) e a condição dos consumidores.
Por vulnerabilidade técnica, compreende-se a ausência de conhecimentos específicos do consumidor sobre todo o processo produtivo e tecnológico do produto ou serviço que busca adquirir.
Já a vulnerabilidade jurídica consiste na ordinária falta de conhecimento do consumidor acerca do seu conjunto de direitos e dos correspondentes deveres atribuídos aos agentes atuantes no mercado de consumo.
Por fim, a vulnerabilidade informacional decorre de um deficit de informação produzida no momento da relação de consumo. O mais interessante é que esse deficit de informação se dá tanto pela pouca informação quanto pela informação em excesso.
A título de aprofundamento, também é relevante mencionar a possibilidade de existirem casos de hipervulnerabilidade, consistente em espécie qualificada de vulnerabilidade e que resulta da conjugação do CDC com outros diplomas protetivos, como, nos casos de conjugação das normas consumeristas com o Estatuto do Idoso (EI), da Pessoa com Deficiência (EPD) ou da Criança e do Adolescente (ECA).
Princípio da boa-fé objetiva
Boa-fé é o dever ser, é a conduta esperada por parte do homem médio. A boa-fé se subdivide em boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva.
Boa-fé subjetiva é a ausência de conhecimento do ilícito, é o contrário da má-fé. Já a boa-fé objetiva é a ética esperada no momento das contratações.
Conforme o inciso III do art. 4º do CDC, é princípio da PNRC, a harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo, compatibilizando a proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento, sempre com base na boa-fé e no equilíbrio.
Nesse sentido, o CDC adotou o princípio da boa-fé objetiva.
A boa-fé objetiva compreende um modelo de comportamento social, um standard jurídico ou regra de conduta que impõe o dever de agir em conformidade com determinados padrões sociais de ética, honestidade, lealdade e correção.
A cláusula geral da boa-fé objetiva comporta, consoante ensinamentos da doutrina, sua divisão em funções, dentre as quais se destacam: função interpretativa, de controle e integrativa.
a) Função interpretativa (ou teleológica): dentre as possíveis interpretações em um caso concreto, deve o intérprete optar por aquela mais consentânea com a lealdade e a confiança. É função interpretativa que tem fundamento no art. 113 do CC.
b) Função de controle (ou limitadora de direitos): destina-se a coibir o abuso de direitos subjetivos, limitando condutas e práticas comerciais abusivas. Retrata função de controle que conta com base no art. 187 do CC.
c) Função integrativa (ou de criação de deveres): impõe o dever de obediência a determinados deveres laterais ou anexos, que são consectários lógicos do princípio. Dentre os deveres anexos, destacam-se o cuidado, a informação e a cooperação. Trata-se de função integrativa, encontrando respaldo no art. 422 do diploma civil.
A ideia é humanizar, pois quando se fala em boa-fé objetiva deve se pensar no outro, o contrato não é feito para beneficiar quem redige o contrato, ele deve ser equilibrado, deve ter finalidade social, razoabilidade, deve ser isonômico.
Várias coisas são analisadas acerca dos contratos, que podem ser questionadas, inclusive, na fase pós-contratual (supressio, surrectio, duty to mitigate the loss, venire contra factum proprium, direito de arrependimento), pois nem sempre aquilo que está no contrato expressa justiça.
Assim, o princípio da boa-fé objetiva vai servir para trazer ética às relações contratuais.
O contrato serve para circular riqueza, e esse é o maior problema, pois quando se faz um contrato, mesmo que seu objetivo seja o de circular riqueza, uma parte sempre quer prevalecer sobre a outra. Quando se fala de ética se está querendo uma sociedade mais harmônica, mais justa, mais ética.
Princípio da informação
Também é princípio da PNRC a educação e a informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo.
A informação é fundamental no sistema de consumo.
O princípio da informação divide-se em núcleo normativo dúplice:
a) direito de ser informado;
b) direito de informar.
A omissão da informação pode caracterizar publicidade enganosa, sendo dever do fornecedor fazer chegar ao consumidor, de forma simples e acessível, as informações relevantes relativas ao produto ou serviço.
Princípio da transparência
A transparência reside no dever imposto às partes de prestarem informações claras, precisas e corretas sobre tudo o que disser respeito à relação de consumo (art. 4º, caput).
Entende-se por transparente a conduta não ardilosa, conduta que não esconde, atrás do aparente, propósitos pouco louváveis.
O CDC, prestigiando a boa-fé objetiva, exige a transparência dos atores do consumo, impondo às partes o dever de lealdade recíproca, a ser concretizada antes, durante e depois da relação contratual.
Princípio do combate ao abuso
O combate ao abuso é princípio que norteia a PNRC e que visa coibir e reprimir eficientemente os abusos praticados no mercado de consumo.
Princípio da confiança
O princípio da confiança é aquele que garante direitos a consumidores que tenham depositado qualquer tipo de expectativa em relação à credibilidade dos fornecedores.
O princípio da confiança guarda relação com criação de expectativa. Por exemplo, uma pessoa deposita seu salário em uma instituição financeira na expectativa de segurança quanto à guarda dos valores por essa instituição financeira.
Princípio da harmonização
Pelo princípio da harmonização dos interesses, as relações entre consumidores e fornecedores deverão se desencadear de forma estruturada e harmônica.
Estamos aqui dentro do ponto mais sensível da disciplina direito do consumidor, pois aborda-se até aonde se vai respeitar a iniciativa privada, e até aonde se vai respeitar os consumidores.
Dentro de uma perspectiva ideal, ter-se-ia uma sociedade em que fornecedores respeitassem os consumidores, e os consumidores simplesmente remunerassem bem os seus fornecedores. Mas, não observada essa harmonia, deve o Estado agir em favor de defesa do consumidor, mas, em harmonia, com o princípio da livre iniciativa.
Princípio da segurança
Produtos ou serviços devem ser seguros, ou seja, por trás de toda prestação de serviço deve existir uma cláusula geral de segurança, não é só prestar o serviço, é prestá-lo em segurança. E, por trás da venda de qualquer produto, esse produto, além de funcionar, deve funcionar em segurança.
Exemplo do princípio da segurança no que diz respeito a serviços: roubaram a bolsa do consumidor no armário da academia. Não é porque a atividade-fim daquela academia é a venda do serviço “fitness” que o consumidor pode ser roubado ou furtado lá dentro.
Isso é um caso fortuito, mas é um fortuito interno, que faz parte das atividades desenvolvidas pelos fornecedores, a segurança é a máxima.
Exemplo do princípio da segurança com relação a produtos: as bonecas Polly, da Mattel. No momento da fabricação dessas bonecas, a fabricante optou por usar tinta tóxica, por ser muito mais barata do que a tinta não tóxica. Não primou pelo princípio da segurança, não harmonizou interesses, quebrou o princípio da confiança ao colocar uma tinta tóxica na boneca.