A desconsideração da personalidade jurídica ou disregard doctrine significa, essencialmente, o desprezo, eventual, pelo Poder Judiciário, da personalidade autônoma de uma pessoa jurídica, com o propósito de permitir que os seus sócios respondam com o seu patrimônio pessoal pelos atos abusivos ou fraudulentos praticados sob o véu societário. Enfim, é a permissão judicial para responsabilizar civilmente o sócio, nas hipóteses nas quais for o autêntico obrigado ou o verdadeiro responsável em face da lei ou do contrato.
Como regra, não é possível o alcance do patrimônio dos sócios de uma pessoa jurídica, visto que, no registro do ato constitutivo, há a separação patrimonial destes. Porém, valendo-se desta separação, sócios, gerentes e administradores podem praticar atos fraudulentos e, sem a desconsideração da personalidade jurídica, poder-se-iam lesar outras pessoas, jurídicas ou físicas.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Vale ressaltar que a responsabilidade do sócio é subsidiária. Portanto, antes de alcançar o patrimônio do indivíduo, deverá ser constatada a insuficiência patrimonial da pessoa jurídica. A responsabilidade será do sócio, gerente ou administrador que praticou os atos fraudulentos.
Por fim, a falência, por si só, não enseja a desconsideração da personalidade. Tampouco, a desconsideração extingue a personalidade da pessoa jurídica. É preciso distinguir tais institutos, tendo em vista que, ao contrário do que possa parecer, essas duas expressões não são sinônimas e nem tampouco se confundem.
Despersonalizar significa anular definitivamente a personalidade, o que não acontece na desconsideração, pois, nesta, não há que se falar em extinção da personalidade jurídica, mas apenas na retirada momentânea de sua eficácia.
Na desconsideração visa-se, portanto, a superação episódica da pessoa jurídica, para que se alcance o sócio infrator com o intuito de protegê-la contra atos abusivos ou ilegais cometidos pelo mesmo.
Apesar de ser assunto precipuamente de direito material, o novo Código de Processo Civil trouxe um capítulo prevendo a Teoria a Desconsideração da Personalidade, dada a importância desta para o Direito Civil.
CPC, Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do §2º.
§4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
Teorias Maior e Menor da Desconsideração da Personalidade
A teoria maior da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica defende a idéia de que não basta a mera insuficiência patrimonial para desconsiderar a personalidade. É preciso, principalmente, o convencimento do magistrado de que a conduta do sócio tenha sido ilícita ou contrária ao ato constitutivo da pessoa jurídica.
A teoria maior subdivide-se em objetiva e subjetiva, sendo certo que a distinção entre elas está na intenção acerca da conduta ilícita, praticada pelo membro da sociedade. Na teoria maior subjetiva, o credor deve provar o dolo do sócio, fato que, na prática, se torna quase impossível.
O Direito Civil brasileiro acolheu, em regra, a teoria maior objetiva, a qual independe do dolo do agente, mas apenas a culpa na prática do ilícito.
Pela teoria menor da desconsideração da personalidade, constatada a insuficiência patrimonial, independente de conduta fraudulenta, o juiz poderá permitir que o patrimônio pessoal de todos os sócios da pessoa jurídica seja alcançado.
Embora, como na teoria maior, a responsabilidade dos sócios seja subsidiária, na teoria menor o patrimônio de todos os sócios poderá ser alcançado, o que não acontece no primeiro caso, o qual somente os sócios praticantes da conduta ilícita terão seus patrimônios pessoais sob litígio.
O nosso ordenamento acolheu a teoria menor, de maneira excepcional, no que diz respeito à relação de consumo, conforme o artigo 28, § 5° do Código de Defesa do Consumidor e nos créditos provenientes de danos ambientais.
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Desconsideração Inversa
A Teoria da Desconsideração Inversa é aplicada quando a pessoa natural transfere ou cria uma pessoa jurídica, com o intuito de furtar-se de responsabilidades civis próprias à pessoa física.
Trata-se de expediente muito comum em divórcios, quando um dos cônjuges transfere à pessoa jurídica bens ou valores com o intuito de ocultar patrimônio comum na ocasião da partilha dos bens.
Constatada a desconsideração, de acordo com o Novo Código de Processo Civil, o magistrado citará a pessoa jurídica para se manifestar sobre o pedido e poderá determinar o retorno daqueles bens ou valores ao patrimônio do casal.
CPC, Art. 133, §2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.