A teoria do delito explica sobre o que é o crime e quais os seus elementos fundamentais cumulativos: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, facilitando na compreensão se houve ou não delito em casos concretos.
Vale ressaltar que o conceito de crime que conhecemos na atualidade (conceito analítico) é fruto de evolução histórica e de muito debate ao longo dos tempos, sendo certo que o tema sempre será revisitado, em busca do seu aperfeiçoamento.
Resumidamente, podemos dizer que trabalhamos com quatro conceitos principais: o formal, o material, o formal-material e o analítico. De toda sorte, podemos dizer com segurança que o ordenamento jurídico brasileiro adota atualmente o conceito analítico.
a) Conceito formal de crime: está relacionado com o princípio da legalidade, porque se trata do crime previsto em lei.
b) Conceito material de crime: é relacionado com a proteção de bens jurídicos, uma vez que é crime a conduta que atenta contra bens protegidos pela legislação penal.
c) Conceito formal-material: reflete a fusão das duas visões anteriores (lei + bens jurídicos).
Podemos citar os autores Heleno Cláudio Fragoso (1980) e Edgard Magalhães Noronha (2009), que compreendem ambas as definições como passíveis de avaliação conjunta.
d) Conceito analítico: examina o crime pelos seus elementos cumulativos sem fragmentá-lo, apoia-se sobre a teoria tripartida, clássica ou tridimensional, defendida pela ampla maioria da doutrina brasileira. Podemos citar os professores Rogério Greco (2018), Cesar Roberto Bitencourt (2018), Cleber Masson (2018), dentre inúmeros outros.
Dessa forma, a infração penal (que é um todo indivisível) se subdivide (exclusivamente para fins de estudo) em três elementos cumulativos (teoria tripartite) denominados tipicidade, ilicitude e culpabilidade.
Apesar de a teoria tripartida ser amplamente dominante na doutrina brasileira, há autores que defendem um conceito bipartido de infração penal, exigindo para a sua caracterização apenas a configuração dos elementos cumulativos tipicidade e ilicitude, considerando a culpabilidade mero fundamento para a aplicação da pena. Nesse sentido, podemos citar os doutrinadores René Ariel Dotti (2013), Damásio Evangelista de Jesus (2015) e Júlio Fabbrini Mirabete (2018).
Ressaltamos que o conceito bipartido é menos protetivo ao acusado, porque o crime restará configurado independente da análise da culpabilidade. Em sentido contrário, também existe a teoria quadripartida, mais protetiva em tese, em que a punibilidade é elemento integrante do tipo penal, adotada por Mezger e Basileu Garcia como exemplo.
2.1. Elementos fundamentais para configuração de crime
a) Tipicidade
Trata-se do maior elemento a ser estudado, justamente por englobar diversos fatores importantes para as provas de concurso público, como conduta, resultado, nexo de causalidade, tipicidade em sentido estrito, dolo, culpa, iter criminis, tentativa, desistência voluntária, arrependimento eficaz, arrependimento posterior, crime impossível e nexo de causalidade, entre outros pontos extremamente importantes do direito penal.
A tipicidade será formada por alguns elementos cumulativos, que alternarão de acordo com o tipo de crime. Assim, há diferença nos elementos da tipicidade considerando o fato de estarmos diante de crimes materiais ou crimes formais.
De qualquer modo, o máximo de elementos que podemos encontrar na tipicidade se dá nos crimes materiais. Estes são formados por conduta, resultado, nexo de causalidade e tipicidade em sentido estrito.
A tipicidade também conta com diferentes classificações. Pode ser objetiva, que é a ação ou omissão criminalizada, ou subjetiva – dolo ou culpa.
Também pode ser classificada como formal (conjunto de elementos descritivos previstos na norma penal), material (lesão a relevante bem jurídico penal) e conglobante.
A teoria da tipicidade conglobante foi desenvolvida por Eugenio Raúl Zaffaroni, que trouxe a ideia de antinormatividade para a tipicidade, ou seja, a conduta será atípica se a conduta for exigida ou fomentada pelo ordenamento jurídico.
b) Antijuridicidade ou ilicitude
Antijurídico é a qualidade de um comportamento não autorizado pelo direito, o que denota que o comportamento antijurídico pode não ocorrer apenas na esfera penal, mas também nos demais ramos do direito.
No Brasil, prevalece que fora adotada a teoria da ratio cognoscendi, ou teoria indiciária, para explicar a relação entre tipicidade e antijuridicidade. Neste sentido, a tipicidade é um indício de que a conduta é antijurídica.
As hipóteses de exclusão da ilicitude/antijuridicidade podem, de acordo com a obra dos professores Rogério Greco (2017, p. 455), Heleno Cláudio Fragoso (2003, 184-185) e Cléber Rogério Masson (2008, p. 409), ser legais (previstas na lei) ou supralegais (previstas na doutrina).
EXCLUDENTES LEGAIS DE ILICITUDE
Estado de necessidade
(arts. 23, I, e 24, ambos do Código Penal – CP)
Legítima defesa
(arts. 23, II, e 25, ambos do CP)
Estrito cumprimento do dever legal
(art. 23, III, parte inicial, do CP)
Exercício regular de direito
(art. 23, III, parte final, do CP)
Aborto terapêutico e aborto sentimental
(art. 128, incisos I e II, do CP)
EXCLUDENTE SUPRALEGAL DE ILICITUDE
Consentimento do ofendido
c) Culpabilidade
A culpabilidade pode ser conceituada como o juízo de reprovação que recai sobre a conduta do agente, se é reprovável ou não, e possui como elementos a imputabilidade, o potencial conhecimento de ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
A imputabilidade, sinônimo de capacidade, conta com previsão legal nos arts. 26 a 28 do CP, os quais dispõem que são inimputáveis: (I) “o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (art. 26), (II) os menores de 18 anos.
O art. 28 do CP prevê que a emoção ou a paixão não exclui a imputabilidade penal, bem como a embriaguez somente isenta de pena quando proveniente de caso fortuito ou força maior e o agente for inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Se a embriaguez for proveniente de caso fortuito ou força maior e o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, a pena pode ser reduzida de um a dois terços.
Observa-se que o CP adotou o critério biopsicológico para definição da imputabilidade penal, que leva em conta fatores mentais, fatores orgânicos e fatores biológicos.
O segundo elemento, potencial consciência da ilicitude, significa que o sujeito sabe diferenciar o certo do errado, se é capaz de entender isso, é imputável. Por isso este elemento é relacionado com o erro de proibição – em que o agente atua sem saber da ilicitude (CAPEZ, 2017).
A exigibilidade de conduta diversa, terceiro elemento da culpabilidade, é o poder que o Estado tem de exigir de todos o comportamento conforme o direito. De acordo com o CP (art. 22), existem duas hipóteses que podem afastar este elemento:
1. Coação moral irresistível – trata-se da violência psíquica. Se for resistível, haverá responsabilidade penal com possibilidade de aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, c, do CP.
2. Obediência hierárquica – é uma ordem de uma autoridade pública superior para uma autoridade inferior, a ordem não pode ser manifestamente ilegal.
A doutrina majoritária entende que somente entre autoridades públicas é que se aplica a obediência hierárquica, não sendo aplicável nas relações hierárquicas entre particulares, como em uma empresa, entre pai e filho ou entre um pastor e seus fiéis.
Além das hipóteses expressamente previstas no CP, outras podem ser observadas na doutrina e na jurisprudência, como o aborto previsto no art. 128, II, do CP (parte majoritária da doutrina entende que é excludente de ilicitude – conforme quadro anterior), o aborto de feto anencéfalo (ADPF nº 54, STF – existem posições no sentido de que é excludente de ilicitude), a insuficiência econômica nos crimes tributários e o excesso exculpante – excesso por pânico, surpresa ou perturbação emocional.
E a punibilidade? É a possibilidade de o Estado impor uma sanção penal ao agente de uma infração penal, tratando-se de uma consequência da infração. Conforme antes mencionado, não integra o conceito de crime na teoria tripartida, motivo pelo qual o crime permanece íntegro com a sua extinção (MASSON, 2016).
2.2. Consumação e tentativa
O iter criminis possui quatro fases: cogitação, preparação, execução e exaurimento. Na maioria dos tipos penais, somente poderá se falar em crime a partir de sua execução, vez que a preparação não é punível como regra geral (a preparação só é punível quando se tratar de um tipo específico de delito).
Prevalece que o ordenamento jurídico brasileiro adotou um critério formal para definir quando haverá execução, que só se inicia quando o agente se dirige à realização dos elementos do tipo penal. Com a execução, o crime poderá restar consumado ou tentado.
Sobre o tema, vale ressaltar a Súmula nº 582 do STJ, segundo a qual:
Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada.
A tentativa pode ser idônea, por meio e objeto capazes de consumar o crime, ou inidônea, também conhecida como crime impossível (art. 17 do CP). O CP adotou a teoria objetiva temperada ou intermediária em relação ao crime impossível, pela qual o meio ou objeto empregado deve ser absolutamente incapaz de levar à consumação do crime. Neste sentido, pelo sistema de vigilância ou segurança não impedir a consumação do crime de modo absoluto, o Enunciado nº 567 da súmula do STJ: “Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto.”
A doutrina majoritária leciona que em alguns crimes não há possibilidade de ocorrer tentativa:
Contravenções penais.
Crimes culposos.
Crimes omissivos próprios.
Crimes habituais.
Crimes de atentado.
Unissubsistentes.
Crimes preterdolosos.