Os direitos e valores essenciais à proteção e promoção da dignidade humana são designados, no direito positivo interno e internacional, por diversos termos e expressões distintas, tais como:
a) direitos do homem – expressão utilizada, por exemplo, no preâmbulo da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948;
b) direitos e liberdades fundamentais do homem/pessoa humana – utilizada, por exemplo, no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos humanos de 1948 e no art. 17 da Constituição da República de 1988 (CF/1988);
c) direitos humanos – empregada, por exemplo, na Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1945 (art. 55, c), e no art. 4º, inciso II, da CF/1988;
d) liberdades fundamentais – também utilizada na Carta da ONU (art. 55, alínea c);
e) direitos fundamentais – mencionada na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 e no art. 5º, inciso XLI, da CF/1988.
Essa ampla densidade de termos e designações, em certa medida, atrapalha a definição e a aplicação dos direitos essenciais à proteção da dignidade humana. A propósito, obtempera Antonio Peres Luño que a inflação de termos apresenta um “paradigma de equivocidade” moderno, gerando dificuldade na definição do que vêm a ser os direitos humanos, nas suas diferentes acepções e expressões (PERES LUÑO, 1995).
Certo é que as expressões utilizadas retrataram etapas na evolução dos direitos e valores essenciais à promoção e proteção da dignidade humana, de sorte que as duas expressões de uso corrente no século XXI são direitos fundamentais e direitos humanos.
Todavia, é bom consignar, desde logo, que entendemos inexistir diferença ontológica entre direitos humanos e direitos fundamentais, pois ambos representam aqueles direitos inerentes à condição humana da pessoa e buscam promover e proteger os valores essenciais da dignidade humana. A despeito disso, são ordinárias duas (aparentes) distinções feitas em doutrina acerca dos direitos humanos e os direitos fundamentais: uma relacionada ao locus de previsão normativa e outra pertinente à exigibilidade do direito.
Nessa toada, a primeira distinção apontada em doutrina (locus de previsão) sustenta que os direitos humanos, em razão de sua ligação intrínseca com o direito internacional público, encontram-se previstos e estabelecidos em tratados e normas internacionais, ao passo que os direitos fundamentais se encontram reconhecidos e positivados pelo direito interno (notadamente o constitucional) de um estado específico.
A segunda distinção comumente apontada (exigibilidade) é de que os direitos humanos não seriam sempre exigíveis internamente, justamente pela sua matriz internacional, tendo então uma inspiração jusnaturalista sem maiores consequências. No entanto, os direitos fundamentais seriam aqueles positivados internamente e por isso passíveis de cobrança judicial, notadamente por sua matriz constitucional.
Em uma outra perspectiva, podemos, ainda, conceituar os direitos humanos a partir de um ponto de vista material/subjetivo e a partir de um ponto de vista formal/objetivo.
No aspecto material/subjetivo dos direitos humanos, falamos de certos direitos subjetivos, que têm uma característica especial: são aqueles direitos indispensáveis a uma vida digna. De outro lado, temos um enfoque formal/objetivo, como aqueles direitos previstos em normas internacionais. Assim, não estamos nos referindo necessariamente aos direitos subjetivos, mas aos direitos objetivos, ou seja, àquelas normas internacionais que preveem direitos humanos. Diante do exposto, podemos compreender o conceito de direitos humanos da seguinte forma: do ponto de vista material/subjetivo, são os direitos indispensáveis a uma vida digna, e do ponto de vista formal/objetivo, são aqueles direitos previstos em normas internacionais.
É importante fazer essa diferenciação terminológica porque os direitos humanos e direitos fundamentais, embora representem a mesma realidade do ponto de vista material/subjetivo, são distintos do ponto de vista formal/objetivo, em razão de os direitos humanos serem positivados em normas internacionais e os direitos fundamentais serem positivados em constituições nacionais.
Sem embargo, com deferência às opiniões em contrário, entendemos não mais existir qualquer distinção significativa entre as terminologias apresentadas, porque imaginar que o local de positivação mudaria a natureza do “direito” seria desconsiderar que a maioria dos direitos e garantias previstos se encontram alicerçados concomitantemente em normas previstas no direito interno e em documentos internacionais.
Em relação à pretensa distinção quanto à exigibilidade dos direitos humanos e fundamentais, entendemos que tanto a evolução do direito internacional dos direitos humanos, como a disciplina constitucional interna, não se coadunam com essa distinção, especialmente porque a proteção internacional dos direitos humanos conta com instrumentos para buscar que os Estados respeitem as normas internacionais, ainda que não positivadas expressamente no direito interno.
Sobre o assunto, é pertinente a lição de André de Carvalho Ramos: outro ponto de aproximação entre “direitos humanos” e “direitos fundamentais” está no reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Brasil, que deve agir na falha do Estado brasileiro em proteger os direitos previstos na Convenção Americana de Direitos humanos. Logo, a efetividade dos direitos humanos é assegurada graças a uma sentença internacional irrecorrível, que deve ser implementada pelo Estado brasileiro (art. 68.1. da Convenção Americana de Direitos humanos). Assim, a antiga separação entre direitos humanos (matriz internacional, sem maior força vinculante) e direitos fundamentais (matriz constitucional, com força vinculante gerada pelo acesso ao Poder Judiciário), no tocante aos instrumentos de proteção, fica diluída, pois os direitos humanos também passaram a contar com proteção judicial internacional (RAMOS, 2017, p. 54).
Enfim, vale mencionar que a Constituição da República também consagra grande aproximação entre as normas nacionais e internacionais de proteção e promoção da dignidade humana, como se pode constatar pela análise dos §§ 2º e 3º do art. 5º. É expresso, por conseguinte, que os “direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (CF/1988, art. 5º, § 2º). O preceptivo permite ampla abertura e aplicabilidade das normas internacionais de proteção e promoção da dignidade humana. Ainda, com redação dada pela Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004, acrescentou-se o § 3º ao art. 5º da Constituição para prever que os “tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.