É possível afirmar que o descompasso entre as vontades internas e externas do indivíduo poderá gerar o pedido de anulação do negócio jurídico, no prazo de 4 anos, conforme preceitua o artigo 178 do Código Civil.
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.
São vícios de consentimento o erro, o dolo, a coação moral, o estado de perigo e a lesão.
Erro
O erro é vício de consentimento em que o indivíduo representa a mal a realidade que lhe é apresentada e, por conta disso, declara uma vontade diversa daquela que declararia se tivesse compreendido de maneira correta.
No erro, o indivíduo equivoca-se, por si só, isto é, não é induzido a erro por terceiro. Caso fosse enganado por este, tratar-se-ia de hipótese de dolo.
O erro deve ser substancial ou essencial, isto é, deve dizer respeito à essencialidade do negócio jurídico. Por outro lado, o erro acidental não enseja à sua anulação, visto que está ligado a circunstância secundária, que não impediria o indivíduo de contratar. O erro acidental só permite o pedido de perdas e danos.
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
A anulação com fundamento no erro exige, ainda, que este seja escusável, tolerável, isto é, o ser humano médio se equivocaria naquelas circunstâncias. Portanto, a análise do erro passa pela análise do grau de instrução do indivíduo que o alega.
O potencial conhecimento da outra parte pressupõe que a parte que agiu de boa-fé não sofrerá com a anulação do negócio, ficando, assim, o negócio mantido.
Art. 139. O erro é substancial quando:
I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
O erro quanto ao negócio diz respeito à hipótese em que o indivíduo acredita praticar uma modalidade quando, na verdade, pratica outra. Por exemplo, assina um contrato acreditando ser de locação, mas é um contrato de compra e venda.
No erro quanto à pessoa ou in persona trata-se de situação em que a pessoa apontada no contrato é diversa daquela em que a parte pretendia. Exemplo, o artigo 1.557 do Código Civil.
Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;
Importante destacar que o erro só conduz à anulação quando não puder ser retificado pelas partes. Desta forma, quando se puder verificar a real intenção ao declarar sua vontade, o negócio será mantido, conforme os artigos 142 c/c 112 do Código Civil
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.
Outro ponto relevante do erro refere-se aos motivos que levaram o indivíduo a celebrar o negócio. Em princípio, são irrelevantes, porém, quando estipulados pelas partes como condição essencial à conclusão do negócio, será possível a sua anulação.
Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
Outros artigos relevantes:
Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta.
Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade.
Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.
Por fim, o prazo de decadência para anulação do negócio jurídico, que é de 4 anos, começa, segundo a doutrina dominante, a partir do conhecimento do erro.
Dolo
O dolo pode ser conceituado como sendo o artifício ardiloso para enganar alguém. Desta forma, o indivíduo é enganado e, por consequencia, é induzido a um erro na prática de um negócio jurídico. O dolo pode ser substancial ou acidental.
No dolo substancial (essencial), uma das partes, de maneira ardilosa, induz a outra a praticar um ato que não praticaria normalmente, visando a obter vantagens. O dolo substancial pode gerar a anulação do negócio jurídico.
Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.
No dolo acidental, por outro lado, apesar de a parte também ter sido enganada, o negócio seria celebrado de qualquer forma, presente ou não o artifício malicioso. O dolo acidental não se resolve no plano da validade, mas da eficácia do negócio jurídico, gerando o dever de reparar o dano sofrido.
Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.
Embora, usualmente, o dolo ocorra por uma conduta ativa, positiva, o artigo 147 do Código Civil prevê o chamado dolo por omissão, inerente aos negócios bilaterais, os quais as partes tinham o dever de prestar determinada informação essencial, mas a omite, induzindo a outra parte a erro.
Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
Quanto ao conteúdo, o dolo pode ser bonus ou malus. O dolo bonus corresponde aos exageros feitos pelo comerciante ou vendedor, destacando as qualidades de determinado bem, sem a intenção de prejudicar o comprador. É prática reputada como válida, não resultando na anulação do negócio jurídico.
O dolo malus, por outro lado, diz respeito a ações astuciosas, o uso de informações inverídicas, as quais induzem a outra parte à prática do negócio. Neste caso, tem-se que verificar se o dolo é essencial ou acidental, para a anulação ou reparação das perdas.
Na hipótese em que ambas as partes agem com dolo, reciprocamente, nenhuma delas poderá exigir a reparação ou o desfazimento, pois ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza.
Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.
Ressalte-se que, mesmo na hipótese de o prejuízo de uma das partes supere substancialmente ao da outra, nenhuma delas poderá requerer o desfazimento do negócio.
Quando o dolo é exercido por terceiro a anulação do negócio ficará sujeita à análise da conduta da parte que contratou com quem foi induzido a erro. Se esta sabia, ou deveria saber, do dolo do terceiro, o negócio é anulável. Por outro lado, se não sabia, restará a reparação do dano, diretamente pelo terceiro.
Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.
No dolo exercido pelo representante, deve-se verificar qual é o tipo deste. No caso do representante legal (pais, tutores, curadores) a ação deve ser movida contra o representado, que responderá até a importância do proveito que teve. O representante responderá pelas perdas e danos.
Já na representação convencional, por mandato, o representado é responsável pelos atos praticados pelo representante, podendo o prejudicado exigir a anulação ou a reparação dos danos tanto para um quanto para o outro.
Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.
Coação
A coação pode ser conceituada como sendo uma pressão física ou moral exercida sobre o negociante, visando a obrigá-lo a assumir uma obrigação que não o interessa. Ressalte-se que a ameaça deve ser atual e iminente, podendo se referir ao próprio coagido, seus familiares e pessoas próximas ou a seus bens.
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.
Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.
A coação moral distancia-se da coação física, pois é possível verificar a opção comportamento diverso daquele a que o indivíduo se submete. O prazo para se requerer a anulação do negócio é de 4 anos, a partir da cessação da ameaça.
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
A coação moral também poderá ser exercida por terceiro. Neste contexto, o desfazimento do negócio jurídico ficará condicionado a prova de que o contratante sabia ou deveria saber daquela coação, nos mesmos moldes do que ocorre no dolo exercido por terceiros.
Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.
Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.
O temor reverencial, respeito obtido através de relações hierárquicas, não gera conseqüências. Porém, o abuso desta relação, na conclusão de um negócio jurídico que favoreça ao superior, poderá ensejar à coação moral.
A ameaça do exercício de um direito também não gera conseqüências. Porém, na medida em que o titular de um direito exerce-o de maneira desproporcional ou não razoável, configura-se abuso de direito, previsto no artigo 187 do Código Civil.
Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Trata-se, portanto, da aplicação do princípio da eticidade, que dispensa, para sua caracterização, a comprovação do dolo ou culpa, por ter caráter de responsabilidade objetiva.
Estado de Perigo
A caracterização do Estado de Perigo exige a presença de três requisitos, na forma do artigo 156 do Código Civil: objetivo, subjetivo e o dolo de aproveitamento.Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
O requisito objetivo é a constatação da excessiva desproporção entre as obrigações, de maneira que uma parte tem lucro exagerado sobre a outra. Não há, porém, um critério pré-estabelecido para se constatar essa desproporção, cabendo ao magistrado entender pela sua presença.
O requisito subjetivo é a necessidade de salvar a si próprio, pessoa da família ou próxima.
Por fim, a caracterização do estado de perigo exige, ainda, o chamado dolo de aproveitamento, isto é, o conhecimento e o proveito da outra parte da necessidade de perigo da outra.
Lesão
A lesão, assim como o estado de perigo, foi criada pelo atual Código. Exige, para sua configuração, a presença de dois requisitos: objetivo e subjetivo.
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
O requisito objetivo, tal qual no estado de perigo, é a onerosidade excessiva, isto é, a desproporção entre as obrigações.
O requisito subjetivo se evidencia na necessidade de contratar e/ou na inexperiência do contratante naquele negócio jurídico.
Na lesão, o dolo de aproveitamento não precisa estar caracterizado, de maneira que o conhecimento ou não do contratante a respeito da inexperiência ou necessidade da contratação são irrelevantes para a sua caracterização.
O desfazimento do negócio pode ser evitado quando a parte que tirou proveito abre mão de parcela do seu lucro ou reduz o valor do negócio.
Por fim, a desproporção deve ser avaliada no momento da conclusão do negócio. Assim, se em sua conclusão o negócio tem obrigações proporcionais, mas, durante a execução, se torna excessivamente oneroso, será possível sua revisão, mas não sua anulação.
Comparação Lesão x Estado de Perigo
| Estado de Perigo | Lesão |
Objetivo | Onerosidade Excessiva | |
Subjetivo | Necessidade de salvar a si ou pessoa próxima | Necessidade e/ou inexperiência na contratação |
Dolo de Aproveitamento | Sim | Não |