Em primeiro lugar, cumpre destacar que o inquérito civil foi fruto de discussões travadas dentro da própria instituição do MP. A preocupação era a de que houvesse um instrumento de coleta de elementos de informação que pudesse respaldar as atuações judiciais do MP na tutela de direitos não penais.
Até a idealização do inquérito civil, caso o MP quisesse se cercar de elementos informativos que embasassem sua atuação judicial, normalmente utilizava o expediente da produção antecipada de provas. Foi neste ambiente que surgiu a discussão sobre a existência do inquérito civil, utilizando-se como parâmetro de inspiração o inquérito policial, assim entendido como o procedimento administrativo inquisitorial para a coleta de elementos informativos para a formação do convencimento do titular da ação penal no sentido da existência da materialidade e de indícios suficientes de autoria.
Criação original do Direito brasileiro, o instituto surgiu a partir de sugestão formulada por ocasião da apresentação da tese intitulada “A Ação Civil Pública”, de autoria de de Nelson Nery Júnior, Édis Milaré e Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, 1983.
Dentro dessa dinâmica, portanto, podemos apontar como primeira manifestação do inquérito civil, a Lei de Ação Civil Pública – LACP (Lei nº 7.347/1985, art. 8º, § 1º). A importância do inquérito civil foi tamanha que o próprio constituinte originário de 1988 deu vocação constitucional ao instituto, alocando-o como função institucional do Ministério Público para a tutela dos direitos transindividuais (art. 129, III, da CF/1988).
LACP, art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.
CF, art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...)
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Atualmente, o inquérito civil também encontra previsão na Lei nº 7.853/1989 (lei que dispõe sobre a proteção às pessoas portadoras de deficiência); na Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente − ECA); na Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor − CDC); na Lei nº 8.625/1931 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público − LONMP); na Lei Complementar nº 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União); e na Resolução nº 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Vistas as suas origens, temos que o inquérito civil tem natureza jurídica de procedimento administrativo de atuação funcional, presidido pelo membro do MP para a apuração de fatos relacionados com a lesão ou com a ameaça de lesão a direitos transindividuais, servindo como um instrumento para a formação do seu convencimento para ulterior promoção responsável de ação civil pública.
Tal afirmação é extraída do art. 1º da Resolução nº 23, de 17.09. 2007, do CNMP. Vejamos:
Art. 1º O inquérito civil, de natureza unilateral e facultativa, será instaurado para apurar fato que possa autorizar a tutela dos interesses ou direitos a cargo do Ministério Público nos termos da legislação aplicável, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas funções institucionais.
Parágrafo único. O inquérito civil não é condição de procedibilidade para o ajuizamento das ações a cargo do Ministério Público, nem para a realização das demais medidas de sua atribuição própria.
E, conforme conceituação da doutrina especializada
O inquérito civil é uma investigação administrativa prévia, presidida pelo Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública. De forma subsidiária, o inquérito civil também se presta para colher elementos que permitam a tomada de compromissos de ajustamento, ou a realização de audiências públicas e emissão de recomendações pelo Ministério Público; contudo, mesmo nestes casos, não se afasta a possibilidade de servir de base para a propositura da correspondente ação civil pública (MAZZILLI, 2000, p. 52).
Vale frisar que, apesar da pluralidade de sujeitos que recebem da lei a legitimação para propor a ação civil pública, somente ao MP caberá a instauração do inquérito civil (legitimidade exclusiva). É o que se extrai do art. 8º, § 1º, da Lei de Ação Civil Pública (LACP):
Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.
Finalidade
O inquérito civil tem por finalidade primária coletar elementos de informação a fim de formar o convencimento do membro do MP para ajuizar a ação civil pública para a tutela de direitos transindividuais. Ademais, poderá indicar a assinatura de compromisso de ajustamento de conduta ou a emissão de recomendação do Ministério Público, não culminando, então, em ação civil pública. Nesse sentido, há de se pontuar que a ação civil pública não se originará obrigatoriamente de inquérito civil, podendo decorrer de outros elementos de convicção.
Princípios
Quanto aos princípios do inquérito civil, haja vista a sua similitude com o inquérito policial, podemos apontar que a ele são aplicadas:
a) A facultatividade e a dispensabilidade: o inquérito civil não é condição de procedibilidade para a ação civil pública. Isso significa que é dispensável a instauração de tal procedimento para a propositura de uma ação civil pública, segundo critérios de conveniência e oportunidade. Sobre o tema, importante atentar ao seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ): apesar de o MP poder adotar medidas investigativas sem a instauração formal do inquérito civil através de requisições e notificações será interessante tal instauração se as questões a serem apuradas puderem ensejar a propositura da ACP, evitando, assim, futuras alegações de nulidade dos atos praticados, considerando-se que o inquérito civil é dotado de especial eficácia jurídica (STJ, 1ª Turma, REsp. nº 873.565/MG, julgado em 05.06.2007).
b) A inquisitoriedade: o inquérito civil tem natureza inquisitorial, na medida em que não há que se falar no mesmo contraditório judicial ao inquérito civil. No entanto, nada impede sua ocorrência, contanto que haja permissão do presidente do inquérito para a participação plena e efetiva dos envolvidos nos atos de produção da prova.
c) A publicidade relativizada: a publicidade dos atos praticados nos autos do inquérito civil é a regra. No entanto, a publicidade pode ser mitigada, uma vez que o § 4º do art. 7º da Resolução nº 23 do CNMP admite o sigilo no inquérito civil, dispondo que: “A restrição à publicidade deverá ser decretada em decisão motivada, para fins do interesse público, e poderá ser, conforme o caso, limitada a determinadas pessoas, provas, informações, dados, períodos ou fases, cessando quando extinta a causa que a motivou”.
Instauração e procedimento
Conforme o art. 4º da Resolução nº 23 do CNMP o inquérito civil será instaurado por portaria, que deve conter:
Art. 4º (...)
I – o fundamento legal que autoriza a ação do Ministério Público e a descrição do fato objeto do inquérito civil;
II – o nome e a qualificação possível da pessoa jurídica e/ou física a quem o fato é atribuído;
III – o nome e a qualificação possível do autor da representação, se for o caso;
IV – a data e o local da instauração e a determinação de diligências iniciais;
V – a designação do secretário, mediante termo de compromisso, quando couber;
VI - a determinação de afixação da portaria no local de costume, bem como a de remessa de cópia para publicação.
A portaria inicial poderá ser aditada, bem como pode ser determinada a extração de peças para instauração de outro inquérito civil, caso seja verificada a necessidade de investigação de objeto diverso daquele inicialmente determinado.
Em síntese, o inquérito civil terá três fases, quais sejam:
1) Instauração: por portaria, de ofício, mediante requerimento ou representação, ou por designação (art. 2º da Resolução nº 23/2007 do CNMP).
2) Instrução: coleta de provas, oitiva de testemunhas, juntada de documentos, vistorias, exames, perícias etc. Nesse âmbito, o prazo mínimo para atendimento das requisições é de 10 dias, conforme art. 8º, da LACP:
LACP, art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.
§ 2º Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los. (Grifos nossos.)
3) Conclusão: relatório final com promoção de arquivamento ou propositura da ACP. O prazo para a conclusão do inquérito civil está previsto na Resolução nº 23/2007 do CNMP:
Art. 9º O inquérito civil deverá ser concluído no prazo de um ano, prorrogável pelo mesmo prazo e quantas vezes forem necessárias, por decisão fundamentada de seu presidente, à vista da imprescindibilidade da realização ou conclusão de diligências, dando-se ciência ao Conselho Superior do Ministério Público, à Câmara de Coordenação e Revisão ou à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. (Redação dada pela Resolução nº 193, de 14 de dezembro de 2018.) (Grifos nossos.)